terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Conhecer é preciso (poema)

às vezes me faltam as palavras
mas, nicole, você não é escritora?
e não sei o que fazer
mas, nicole, você não tem confiança?

consulto
pesquiso
pergunto
pra ter precisão
conhecer é preciso
saber não é preciso

o dicionário me diz
ainda não é o que sinto
e o que eu sinto
não sei dizer
mas digo

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Resenha - Anora (filme)

“Anora”, dirigido por Sean Baker e estrelado por Mikey Madison, recebeu vários prêmios e está concorrendo a seis categorias do Oscar, incluindo a de melhor filme. A história começa quase como um conto de fadas moderno, em que a jovem Ani, uma dançarina de slap dance que trabalha em um clube de strip em Nova York, se envolve com o filho de um oligarca russo, Ivan Zakharov, apelidado Vanya. Logo, o rapaz lhe apresenta seu mundo luxuoso, repleto de festas e viagens. Durante uma estadia em Las Vegas, Ivan pede Ani em casamento, pois assim ele obteria o visto americano e não precisaria retornar à Rússia. Está pensando em quais as chances de isso dar certo? Pois é.

O que se inicia como um romance regado a diversão, sexo e dinheiro acaba se tornando um drama, com pitadas de comédia e muita confusão, quando os pais de Vanya descobrem sobre o casamento e resolvem interferir. Eles enviam dois capangas à casa do filho nos EUA com a missão de convencer o casal a anular a união. Acontece que Ivan foge e Anora se recusa a aceitar o fim do relacionamento, o que dificulta todo o processo.

O filme provoca várias reflexões de cunho social, geradas a partir de questões como a irresponsabilidade de Vanya, filhinho de papai que não saiu da adolescência, o desprezo da classe alta a pessoas pobres e o julgamento moral de profissionais do sexo. Ani tem muita personalidade, mas acaba se iludindo com a chance de uma vida melhor, um sonho americano. A personagem, com seu jeito espontâneo e tiradas engraçadas, acaba se tornando cativante e gerando empatia. Mikey Madison está muito bem no papel e merece os prêmios que vêm recebendo.

No geral, a produção diverte e comove, utilizando um tom cômico e realista na medida certa. Apesar de ter o seu valor, para mim não é o melhor filme entre os indicados, pois não impacta como “Conclave” nem tem a originalidade de “Ainda estou aqui”.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Resenha - Nosferatu (filme)

Nosferatu é o remake de um clássico filme de terror de 1922. Há quem prefira a versão original, que, confesso, ainda não assisti. Porém, a produção de 2024 tem lá o seu charme e está concorrendo em quatro categorias do Oscar: melhor figurino, design de produção, fotografia, maquiagem e cabelo. De fato, a reconstituição dos cenários e figurinos de época é impecável.

A história é livremente inspirada no romance Drácula, de Bram Stoker, e se passa nessa mesma época – meados do século XIX. Lily-Rose Depp (sim, a filha do Johnny Depp) está muito bem no papel da mocinha Ellen, atormentada por pesadelos horríveis, o pressentimento de uma ameaça que se aproxima. Por ignorância da época, ela é tratada como uma “histérica”, medicada e sedada. Apesar de ter uma relação de amor e companheirismo com o marido, Thomas, nem ele parece levar seus supostos delírios a sério. Por isso, não hesita ao aceitar fechar um novo negócio com o conde Orlok, dirigindo-se ao seu castelo distante e isolado (é uma cilada, Bino).

Durante a ausência do marido, Ellen se hospeda na casa dos amigos Anna e Friedrich. Anna é muito gentil e compreensiva com a amiga, o que lhe traz certo conforto. Já Friedrich, por outro lado, vê sua presença como um incômodo. É claro que o conde Orlok, vulgo Nosferatu, vai até a cidade grande causar o terror, provocando uma espécie de epidemia mortal. E Ellen, que estava com a razão o tempo todo e ninguém acreditou (isso é ser mulher, em qualquer época), é a única que pode salvar a todos do extermínio. Pararei por aqui para não dar spoiler.

O filme é bastante sombrio e causa tensão. A figura do Nosferatu é assustadora, nojenta, mas ao mesmo tempo sedutora, por causa de seu poder maligno. O vampiro é simbolicamente associado aos tabus da sexualidade e da morte. Nosferatu encarna a corrupção, a repressão sexual – especialmente a feminina  e os desejos obscuros que tentamos negar. No fim, o monstro sempre reflete algo sobre nós.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Dia Mundial de Gato

 

Hoje é o dia mundial do gato, fato que descobri graças à Alexa rs E o curioso é que, no último sábado, fiz uma aula de cat yoga no Gato Café. Trata-se de uma cafeteria temática, em que os biscoitos têm formato de patinha e o cappuccino se chama catpuccino, por exemplo. Além disso, há uma sala onde ficam os gatinhos, disponíveis para adoção. Pagando uma taxa, é possível entrar para interagir com eles durante algum tempo. A aula de cat yoga é realizada dentro dessa sala, com uma professora e poucos participantes. Os gatinhos passam e se esfregam nos participantes, ronronam, é uma fofura!

O chato é que todo mundo me pergunta se não quero adotar um gatinho, já que gosto tanto de bicho. Sem graça, desconverso com um “É, quem sabe mais pra frente?”. Mas a verdade verdadeira é que não, eu não tenho vontade de ter um bichinho em casa. Moro sozinha e adoro a liberdade que isso me proporciona. Chegar em casa, ter silêncio e paz pra ler um livro, ver um filme, fazer o que eu quiser, não tem preço. Ter a casa arrumada, sem pelos e objetos quebrados, poder sair e viajar sem me preocupar, pra mim é o paraíso.

“Mas, Nicole, o amor incondicional de um bichinho...” Eu sei, eu sei. Nem comece. Tenho pessoas amadas o suficiente na minha vida pra não sentir falta de ninguém, nem mesmo de um pet. Amo os animais em liberdade, assim como amo as pessoas, mas sobretudo amo a minha solitude, na vida cotidiana. Encontro meus pais, meus amigos, passo um tempo com eles e volto pra casa, pra me curtir. Por isso lugares como o Gato Café são ideias pra eu ter um contato com os animais sem compromisso. Brinco, faço carinho e vou pra casa sentar no meu sofá sem arranhões. Pode me julgar, se quiser. Mas saiba que eu não te julgo, seja você desapegado como eu, ou pai/mãe de pet feliz.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

O Melhor Amigo da Mulher (conto erótico)

 

Milena arrastava pro lado há mais de meia hora. Com o aplicativo aberto, via, como num desfile de moda, as fotos dos caras. Feio, asqueroso, bonitinho, mas ordinário. Ela também lia as descrições – no geral, muito pobres. Solteiro metido a “comedor”, casado sem vergonha, homem de família carente cheio de filhos.

Ela sabia o que buscava. Sexo casual, nada mais. Nem por isso ficava feliz com fotos de pau enviadas sem o seu consentimento ou conversas rasas. Procurava uma boa companhia. Até que encontrou Júlio. Advogado, solteiro, sem filhos. Boa pinta. Papo gostoso. Pronto, seria esse.

Ficaram alguns dias conversando até que marcaram de se encontrar. Direto no motel, localizado num bairro equidistante aos dois. Com hidro. Milena gostava de hidro. Era bom pra relaxar.

Júlio chegou um pouco mais cedo e ficou esperando já no quarto. Milena se atrasou não mais que quinze minutos. “Foi o trânsito”, se desculpou ao chegar. Os dois começaram a conversar, coisas como “Como foi a semana?”, “E o trabalho?”, “Solteiro(a) há quanto tempo?”, “Já tinha vindo aqui antes?”.

Pediram champanhe. Começaram a se soltar mais, aproximando os corpos, se tocando de leve, rindo. Até que Júlio tomou a iniciativa de beijar a parceira. Foi um beijo afoito, a língua rodando adoidada na boca, as mãos apalpando suas coxas e puxando seu corpo mais pra perto. Milena ficou com falta de ar e precisou se desprender do homem pra tomar fôlego. Ele interpretou aquilo como um bom sinal. “Já está sem ar? E olha que a gente mal começou...”, sorriu. A mulher deu um sorriso amarelo. “Podemos ir com um pouco mais de calma?”. “Claro. Como você quiser”.


Leia o conto na íntegra adquirindo o ebook da coletânea: Sacanagem

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Resenha: Emília Pérez ("filme")

 

Todo mundo avisou: o filme é ruim, clichê, cafona, não funciona como musical, cineastas amadores fariam um trabalho melhor. Mas eu quis ver com meus próprios olhos. E agora, infelizmente, não consigo “desver”.

Ah, mas existe um ranço prévio porque a produção desbancou o representante brasileiro “Ainda estou aqui” na categoria de “Melhor filme estrangeiro” do Globo de Ouro, você poderia alegar. Nada disso. Se o filme fosse bom, haveria pelo menos esse consolo: poxa, tudo bem, a disputa foi difícil, o concorrente era ótimo. O que não é, absolutamente, o caso.

Para ser justa, “Emília Pérez” tem o projeto de um filme que poderia ser razoável, ou mesmo muito bom, caso a ideia fosse bem desenvolvida. A história é sobre o líder de um cartel de drogas que deseja mudar de sexo e, para isso, simula a própria morte, deixando esposa e filhos. Para isso, ele contrata uma advogada frustrada com sua profissão por causa da impunidade dos poderosos. O traficante lhe oferece muito dinheiro se ela conseguir providenciar de maneira rápida e segura todo o procedimento da transição e do “desaparecimento”. Tempos depois, ele retorna, já com a nova identidade de Emília Pérez, e quer reencontrar a família, fazendo se passar por uma tia. Para isso, conta novamente com a ajuda da advogada. Juntas, as mulheres fundam uma instituição responsável pela busca de pessoas desaparecidas, uma espécie de regeneração para o passado criminoso de Emília. Tudo parece ir bem até que sua ex-esposa de resolve se mudar com o novo companheiro e levar os filhos.

Parece promissor, não é mesmo? O problema é que as cenas musicais são ridículas e fora de contexto e não há profundidade em nenhum tema. Um “filme” em que uma das primeiras cenas musicais é sobre “v*gin*plastia”, “v*gina para p*nis”, “    p*nis para v*gina” e que tem falas como “Minha x*x*ta dói ao pensar em você” não pode mesmo ser levado a sério. É um festival de vergonha alheia e bizarrice. Nem mesmo a ótima atuação de Zoe Saldaña consegue salvar esse circo.

Portanto, apesar do surto coletivo que o fez receber 13 indicações ao Oscar e ganhar tantos outros prêmios, como o Globo de Ouro, para qualquer pessoa sensata e que aprecie minimamente a sétima arte, “Emília Pérez” é digno apenas de troféus Framboesa.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Crônica: Não pare

 

Na maior parte do tempo, eu sei exatamente o que estou fazendo. Meu pensamento é lógico e organizado, minha escrita é consciente, meu dia é planejado. Sendo assim, costumo lidar mal com imprevistos e improvisações. A dança me ensina bastante nesse sentido. Você pode estudar e dominar a técnica, mas existe o lado da emoção, da entrega, do descontrole, do risco. Você não pode pensar demais, tem que agir, fazer movimentos no tempo certo da música. Se esqueceu o passo, não pare, improvise, pegue o próximo, está tudo bem. Não pare. Faça pausas nos momentos certos, mas não pare.

 

Costumo travar em situações de perigo, medo, insegurança ou qualquer catástrofe iminente. É assim que entro em crise. Se sou traída, dispensada, maltratada, assaltada, assassinada, como já fui. Paraliso. Entro em pane. Não sei lidar. É muita coisa pra processar e eu preciso ficar bem, ser produtiva, tenho uma agenda a cumprir, não tenho tempo pra sentimentos baratos. Só que escolher não sentir acaba saindo muito caro. Na fantasia que crio, de alguma forma superdimensiono a dor. Tudo parece bem pior do que na realidade. Fico me punindo por um crime que não cometi. Mas hoje eu pago a minha fiança.

 

Porque hoje eu tenho a dança. E, mesmo que tudo esteja desmoronando, sei que posso continuar. Não pare. Não se preocupe se tudo não sair perfeito, do jeito que você imaginou. Vai. Arrisque um novo passo. Ouça a música. Deixe seu corpo responder. Respire. Continue. A vida é um palco. Entramos em cena, muitas vezes, sem preparação. Às vezes a gente cai, erra ou mesmo paralisa. Mas a música continua e, no nosso tempo, no nosso ritmo, do nosso jeito, voltamos a dançar. Bom espetáculo!