segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Presente de Natal (conto)

 

Cinco da manhã. O despertador toca. Uma. Duas. Três vezes. Na quarta, uma mão pesa sobre o celular e o polegar ágil desliza sobre a tela. Merda de barulho irritante! Anunciando um novo dia. Mais um dia de cão.

Semiconsciente, Silene escova os dentes após o café apressado. Se arruma. Dá um beijo na neta, que deve acordar mais tarde pra ir à escola. Desce o morro. Espera seu ônibus no ponto. Até que ele passa rápido. Que bom. Hoje não vai atrasar. Odeia ouvir sermão da patroa.

Na lata de sardinha urbana, ela se ajeita como pode. Sempre se sentiu um peixe fora d’água. Agora faz parte de um cardume. Algum malandro passa a mão na sua bunda. Ei! Não se tem um minuto de paz.

Uma hora depois, pega o segundo ônibus, até o trabalho, na zona sul do Rio. O transporte sempre lotado. Silene se segura e aperta a bolsa contra o peito. Suspira. Mais um dia. Menos um dia. Fim de semana já chega. É Natal. Nessa época, é obrigatório ser feliz. Mas a felicidade é um privilégio de poucos. Quem disse que felicidade não se compra provavelmente já comprou a sua.

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Leia a continuação do conto na Amazon.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Não pira, Selma (conto)

 



Itutaba. Itatiba. Ituitaba. Ituiutaba. I-tui-u-ta-ba. Êta nominho difícil sô! Significa “aldeia do lamaçal do rio”, em tupi. Ou “povoação do rio Tijuco”. Tijuco quer dizer lama. E Tijuca, o bairro carioca? Então, eu fui pesquisar também. Believe me or not, it’s “água podre”. Legal, né? Zona norte precursora, antecipando o problema de abastecimento da CEDAE, logo no nome. Meu bairro, essa merda. E pensar que saí da Tijuca pra parar no rio Tijuco. Da água podre pra lama. Que evolução!

– Tudo pronto aí, seu Josimar?

– Tá quase, minha fia. Falta só uns detaizim.

Ele preparava o barco pra navegar. Um barquinho minúsculo, e ainda cheio de material de pesca, não sei como a gente ia fazer pra caber com o equipamento de filmagem e tudo ali dentro! Seu Josimar, um senhor humilde, pele morena de sol, enrugada pelo tempo, sorriso de dentes apodrecidos, cheio de janelas – janelas da alma, nos dentes e não nos olhos. Porque o seu olhar revelava o contrário do que o corpo franzino fazia parecer: uma capacidade de enfrentar diariamente o calor escaldante do sol – direto na pele, sem protetor –, as tempestades na água, os animais selvagens, todas as forças da natureza – porque ele era a própria força. Seu Josimar era um forte! Ria de tudo, mostrando os dentinhos sem tratamento, numa alegria de viver incompreensível para nós, “civilizados”. Por que ele estaria contente? De onde tirava essa coragem, essa persistência? Lutava pra quê? Pra não morrer? E isso bastava? Aquela espontaneidade, o simples viver e cumprir sua função, na mais absoluta resignação, me desconcertava, a mim e a todos nós, cheios de grandes privilégios e problemas pequenos. Mas sigamos, que o trajeto é longo e eu já tô vendo que vai dar ruim esse monte de gente e câmera num barquinho desse tamanho!

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Leia a continuação do conto na antologia "Natureza degradada: contos ecológicos".

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Mergulho (conto)

 

Se eu pular, você pula. Lembro daquela noite de chuva em que nos conhecemos. Você cheirava a cachorro molhado e eu toda encolhida embaixo da marquise. Até que apareceu um salvador com um guarda-chuva, você veio me resgatar. Não costumo aceitar caronas de desconhecidos, mas considerei as circunstâncias e confiei na sua cara de bom moço. Se eu pular, você pula. A conversa no carro foi muito agradável e divertida. Trocamos telefone e transamos dois dias depois. Tínhamos muito tesão um pelo outro, principalmente no começo. Parecíamos dois coelhos no cio. Mas também gostávamos de conversar e tomar um bom vinho, ver um filminho, qualquer bobagem que pudéssemos fazer juntos. Se eu pular, você pula.

Sua família gostava de mim. Nos demos bem logo de cara. Mas minha mãe implicava um pouco com você, eu não entendia o porquê. Devia ter escutado. Se eu pular, você pula. Em pouco tempo, a coisa ficou séria e fomos morar juntos. Éramos dois idiotas apaixonados e felizes, cheios de sonhos... Já vi esse filme. Ele acaba mal. Se eu pular, você pula. A princípio, eu não queria ter filhos. Na verdade, era um pouco indiferente à ideia. Achava que ficaríamos bem só nós dois. Não morreríamos de tédio. Porém, a paixão nos leva a tomar atitudes sem pensar. Engravidei. Você queria muito. Eu passei a querer depois. Se eu pular, você pula.

Nossa filha foi o maior presente de nossas vidas. É incrível gestar um ser humano e acompanhar seu crescimento! O que é bem menos incrível é a sobrecarga que passei a ter. Se eu pular, você pula. Na sua rotina, pouco mudou. Trabalho, sexta-feira com os amigos, futebol na TV e alguns momentos de brincadeira com a menina já o tornavam o pai do ano. Todo o resto do trabalho era meu. Comida, banho, dia a dia, fora a arrumação da casa... “Coloca ela na creche”. “Contrata uma empregada”. Suas soluções eram sempre muito simples e envolviam investimentos financeiros. Afinal, você era um homem de negócios, não um homem de cuidados. Se eu pular, você pula.


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Leia a continuação do conto na 6ª edição da revista Contos de Samsara, cujo tema é morte.

domingo, 27 de novembro de 2022

O Grinch da Copa do Mundo

 

Tenho que confessar: sou o Grinch da Copa do Mundo. Conhece o Grinch, aquele personagem que odeia o Natal? Então. Eu odeio futebol. Não assisto a uma partida nem sob tortura. “Mas nem os jogos do Brasil”? Não. “Mas nem na Copa?”. Não. “Mas...”. Apenas desista. É, eu sei, vivo no país do futebol, pentacampeão do mundo, etc. Amo a cultura nacional, não tem nada a ver com isso. Exerço meu patriotismo de outras formas. Agora, futebol... Desculpa. Não dá.

Na verdade, não gosto de esportes em geral. Não faz muito sentido pra mim. O exercício físico que pratico pra me manter saudável é a dança, que tem um valor artístico. Veja bem, não acho que uma coisa é oposta à outra. Você pode gostar de artes E de esportes. Só que eu não gosto. Não me identifico. Sei lá. E, quando eu não gosto de alguma coisa, normalmente não passo nem perto. Quando gosto, sou quase obsessiva. 8 ou 80.

Desconfio que a “obrigação” de gostar de futebol e ter um time tenha me causado esse ranço. Minha família me levava no Maracanã e eu ficava ouvindo música. Sim. Hoje eu não vou nem arrastada pra um jogo. Assim como não obrigo ninguém a fazer algum programa que não queira comigo. Vou sozinha sem o menor problema. Coincidência ou não, meus namorados nunca ligaram muito pra futebol. Ainda bem, porque pra mim a pior frase era “Quando você tiver um namorado, vai acabar torcendo pro time dele”. Apenas pare. Por favor.

Esse texto é somente um desabafo. Se você também não se contagia com a paixão pelo futebol, saiba que não está sozinha/o. Tamo junto! Porém, se você gosta, tudo bem também. Os torcedores poderiam ser um pouco mais discretos, mas vá lá. Há quem goste apenas de socializar, passar um tempo com os amigos e a família, sem ligar tanto pro jogo em si. Eu prefiro me recolher, fazer qualquer outra coisa nessa época. Socializo de outras maneiras, em outras oportunidades. Enfim. A mensagem final e mais importante é: respeite as diferenças. Não fique tentando convencer o outro a curtir algo que não é a dele. Cada um na sua. Vai lá torcer pelo seu time e não enche o saco. Boa Copa!

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Renascer das Cinzas (conto)

 

            Tinha aquele sonho recorrente: uma mulher, trajando um vestido medieval, amarrada a uma grande fogueira, era assistida por uma multidão, que clamava xingamentos incompreensíveis. Podia ver nas feições dos espectadores que estavam tomados pela ira e sentiam um grande prazer com o sofrimento da vítima. Não conseguia, contudo, distinguir o rosto da mulher. O fogo alto e a fumaça não permitiam.

            Acordava sempre muito agitada desse pesadelo. A respiração ofegante, as mãos tremendo, o suor escorrendo pela face pálida. Era muito viva aquela cena e lhe causava forte agonia. Olhou o celular. Faltava meia hora pro despertador tocar. Ia tentar descansar mais um pouquinho, mas viu que tinha mensagem da Rebeca e resolveu abrir. “Amiga, vc tá bem? Me liga qndo puder”. Franziu a testa, ainda meio sonolenta. Respondeu: “Pq? O q aconteceu?”. Havia várias notificações nas redes sociais com mensagens de desconhecidos. “Gostosa! Quero ver ao vivo. Topa?”. “Malhação tá em dia, hein! Adorei”. “Gosto de vagabunda assim como vc na cama. Me liga, gata”. “Vc tb curte mulheres? Me dá uma chance, vai”. “Quero te chupar gostoso”. “Teu cuzinho apertadinho delícia, meto tudo”. Largou o celular em cima da cama. Ficou encarando a parede. Tentou respirar fundo.

            Rebeca ligou. Atendeu depressa, mas ainda meio aérea.

            - O que tá acontecendo?

            - Você ainda não viu?

            - Eu acordei agora. É o único dia que posso dormir um pouco mais e... Me conta, por favor, não quero ficar imaginando. Mas foi ele, não foi?

            - Foi.

            - O que aquele filho da puta fez?

            - Ele vazou um vídeo íntimo de vocês... Já tem mais de trezentas visualizações.

            - Mas que vídeo? A gente nunca gravou esse tipo de vídeo!

            - Então ele deve ter gravado escondido. Porque dá pra ver que é você.

            - Caralho, eu não acredito!

            - Calma, respira... A gente vai denunciar esse escroto e tirar o vídeo do ar.

            - Essas coisas demoram, Rebeca! Até lá quantas pessoas já vão ter visto a minha boceta? Que humilhação, meu Deus!

            - Amiga, eu tenho um tio advogado, ele pode ajudar. A gente vai com você até a delegacia.

            - Eu não sei se tenho cabeça...

            - O que o Leandro fez é crime! Ele tem que pagar por isso.

            - Ele vai pagar!

            Sua mente fervilhava de ódio, dor, tristeza, tudo junto, num caldeirão de caos emocional.

            - Me manda o vídeo.

            - Você tem certeza?

            - Me manda essa merda agora.

            Assistiu. Foi uma noite quente dos dois. Dava pra ver bem o seu rosto e todo o corpo, em diferentes posições. Os gritos, gemidos e sacanagens trocadas. Ela gostava de ser dominada na cama. Mas só na cama. Era isso que Fernando não entendia. Então, o sexo era realmente ótimo, um momento de entrega e êxtase supremo. Porém, no dia a dia, as crises de ciúme e tentativas de controle sobre seu corpo e sua vida tornaram impossível a convivência. No primeiro mês não era assim, ele a tratava como uma princesa, satisfazia todas as suas vontades. Até começarem as cobranças. “Aonde você vai a essa hora e com essa roupa?”. “Quem é esse cara que te adicionou no Insta?”. “Como se chama esse amigo, por que ele manda tanta mensagem?”. “Você acha que pode me enganar? Cuidado”. Por isso decidiu terminar, com três meses de namoro. Tinha aguentado até demais. Estava exausta, não tinha mais sossego. Aquilo a estava desgastando e destruindo. Foi uma libertação se livrar dele. Teve o total apoio das amigas, especialmente de Rebeca.

            O problema é que Fernando nunca se conformou com o término. Ligava e mandava mensagens sem parar. Se desculpava, pedia pra voltar, ameaçava tirar a própria vida. Mas ela já tinha pesquisado e identificava nele o padrão do cara abusivo. Por isso não cedeu. Bloqueou o número, excluiu o contato. Ele a perseguiu na faculdade, queria conversar, ela tinha que lhe dar uma chance, poxa. Ela disse que chamaria a polícia se ele não parasse de procurá-la.

            - Então você quer guerra? Ok. Se prepare. Garanto que você vai se arrepender, vadia!

            Foi a última coisa que o idiota lhe disse. Não levou a sério. Isso fazia cerca de uma semana. Por fim, ele lançou a bomba, que a atingiu em cheio. Adriana viveu semanas de inferno. Não conseguia ir à faculdade, pois era apontada por todos. Depois isso passou a acontecer no próprio prédio onde morava. Imagens do vídeo foram vazadas para sites pornô e de prostituição. Teve que trocar de linha pra parar de receber os mais diversos tipos de ataques e provocações. Desistiu das redes sociais por um tempo. Verdade que também recebeu apoio de amigos e mesmo de desconhecidos. O tio advogado da Rebeca conseguiu tirar o vídeo do ar e processar Fernando. Mas ir à delegacia foi um desgaste, uma exposição enorme, e sabia que o processo demoraria meses pra dar algum resultado, se desse. E o vídeo já tinha viralizado. O estrago estava feito.

            Adriana quase não saía mais de casa. Passava os dias na cama, se culpando por não ter percebido antes o traste que namorou. Seus pais haviam ligado, preocupados, e também a culparam: “Por que você deixou gravar esse vídeo? Por que namorou um cara desse? Foi pra isso que você se mudou praí? E os seus estudos, não está focada nisso?”. Tentou explicar que deixara a cidade do interior pra estudar sim, que se cuidava, havia conhecido Fernando na faculdade e ele parecia um bom rapaz, quando deu sinais de um comportamento abusivo logo ela decidiu terminar... Mas a família só se preocupava com a moral, o que os outros iam pensar, e a reputação dela? Isso só aumentou a pressão que já pesava sobre seus ombros.

            Agora tinha o sonho quase todos os dias. A mulher ardia na fogueira. Aos poucos, alguns elementos foram se tornando mais nítidos. Conseguiu entender as falas da plateia. “Vagabunda!”. “Piranha!”. “Puta!”. “Pecadora!”. “Vai arder no fogo do inferno!”. “Que sirva de exemplo pras outras!”. “Quem mandou se entregar a quem não devia?”. A multidão gritava e erguia as mãos, apontando dedos, fazendo gestos obscenos, enquanto a pobre mulher queimava e urrava de dor. Seu rosto finalmente ficou visível: pôde distinguir seus olhos castanhos, que se fechavam, acuados, seu nariz arrebitado inalando fumaça e o cabelo ruivo cacheado... Era ela. Adriana estava no centro da fogueira, sendo julgada e condenada. Reparou em alguns rostos conhecidos na multidão: colegas, vizinhos, seus pais... Todos gritando insultos e comemorando as labaredas vencendo a resistência da bruxa.

            Adriana acordou tomada por essa súbita revelação. Agora tudo passou a fazer mais sentido. Ela era conhecida como “bruxinha” por seus amigos, pois gostava muito de esoterismo. Decidiu investigar melhor o sonho, não podia mais ignorar seu significado.

            Consultou astrólogos, tarólogos, terapeutas. Todos lhe diziam que ela devia tomar cuidado. Era muito intensa – tinha excesso do elemento fogo no mapa. Podia se queimar. Porém, o mais interessante foi descobrir, no mapa genético, uma ancestral que havia sido condenada à fogueira por bruxaria. Acreditava que, na verdade, era ela nos seus sonhos. E que precisava vingá-la.

            Assim, cansou de sentir pena de si mesma e resolveu agir. Tomou algumas doses de vodka pra ter coragem. Ligou pra Fernando.


* Leia a continuação do conto na Amazon.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Halloween - Que todo horror permaneça ficcional

 

O terror/horror não é um gênero que agrada a todos. Muitos preferem não entrar em contato com obras desse tipo. Isso se respeita, é claro, pois gosto não se discute. Mas acredito que o horror, assim como qualquer gênero ficcional, nos ensina muito. Especialmente a lidar com nossos próprios fantasmas, individual ou coletivamente. Como diz Stephen King: “Monstros são reais. Vivem dentro de nós e, às vezes, vencem”.

Mesmo quando aborda o sobrenatural e a fantasia, o horror parte de medos reais. O medo do diferente. O medo da morte. O medo do desconhecido. Por isso às vezes é difícil acessar obras com essas temáticas. Durante a pandemia, por exemplo, muita gente não conseguia consumir distopias. Vivíamos uma época por si só bastante distópica. O horror real ultrapassava qualquer medo ficcional.

Então, neste Halloween, meu desejo é que todo horror permaneça ficcional. Que todo assassinato seja metafórico. Que distopias se tornem cômicas tamanha a distância que possuem da realidade. Que os monstros que enfrentamos sejam internos, e que possamos nos respeitar mutuamente em nossas diferenças. Que entendamos que quem gosta de violência na ficção, na vida real provavelmente só quer paz. Que o Halloween continue sendo uma data festiva e divertida e que possamos comemorar tranquilamente por saber que os monstros estão longe e estamos seguros para fantasiar. Goste você ou não, feliz Halloween! Coma os doces e não alimente os fantasmas.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Meu lado psicopata (trecho de Dançando na Varanda)


Existem dois aspectos que formam a base da minha personalidade: meu lado Disney e meu lado psicopata.

[...]

Será que “lute como um psicopata” soaria muito pesado? Não me entenda mal, só quero entender o mal. E esse meu fascínio deve ter começado com as vilãs. Bem maniqueísta, eu sei, mas vilões são com frequência muito mais interessantes que os mocinhos. Porque eles têm uma liberdade maior de ação. E são poderosos, têm estilo, charme, elegância, na maior parte das vezes. Outro fator que me introduziu a essa “vida de crime” (apenas na ficção, é claro) foi a literatura policial, que comecei a procurar no início da adolescência. Em geral, iniciamos com Agatha Christie e passamos aos poucos pra drogas mais pesadas: o Sherlock de Conan Doyle, o Dupin de Edgar Allan Poe, Raymond Chandler, Luiz Alfredo Garcia-Roza e Raphael Montes pra valorizar os nacionais, e, quando você vê, já está lendo Hannibal e vendo os filmes com o Anthony Hopkins como se fosse Sessão da Tarde. Mas, veja bem, nunca houve uma passagem, uma ruptura dos filmes da Disney pra Hannibal, são coisas que se misturam na criação de uma personalidade humana mais completa e complexa. Vai dizer que você nunca parou pra observar suas esquisitices e contradições? Senão, devia. É um exercício muito bom.

Mas o que é tão fascinante nos psicopatas? Há vários elementos que podemos considerar: entre uma atração pelo perigo e pelo proibido, a liberdade de ultrapassar fronteiras socialmente estabelecidas e a glamourização dos próprios personagens assassinos pela mídia, eu destacaria a capacidade de tacar o foda-se pro que todo mundo diz e exige de você. Psicopatas não se importam. Eles não têm sentimentos empáticos, não são capazes de se conectar emocionalmente com alguém. E isso lhes dá um grande poder. Porque nada pode feri-los. Eles não têm o coração partido. Claro, assim também perdem o lado mais bonito das relações: a troca, o afeto, o acolhimento e o aprendizado. Em contrapartida, não precisam lidar com a frustração. Ou lidam com ela cortando cabeças. Deve ser terapêutico.

(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Trevas


Meu coração
Está em trevas
Endurecido
Como pedra
Por sua culpa
Sua máxima culpa

Faca afiada
Que machuca
Mata lento
Agonizando
Vi meu amor
Arder em chamas
E virar pó

Mas pode vir
Eu não mordo
Só arranco pedaço
Me dê sua mão
Me dê sua alma
E vamos valsar
No inferno

domingo, 23 de outubro de 2022

Vampiro (conto)

 

Sangue. O oxigênio líquido. Azul sob a pele. Vermelho fora dela. Não por acaso, o vermelho é um símbolo cultural de alerta. Sirenes de ambulância. Placa de trânsito. Cartão vermelho. Sangue. Azul é paz. O mar. O céu. Tudo azul. Veia. Faz sentido. Dentro do corpo, bombeia as atividades, mantém tudo funcionando. Está sob controle. Fora do corpo, indica que algo não vai bem. Fora de controle. A pele marca esse limite. Frágil fronteira entre a vida e a morte.

Sua pele é branca, quase transparente. Não tenho preconceitos. Também gosto de morenas, negras. Um pouco de variedade para quebrar a rotina. No entanto, confesso que sinto grande fascínio pelas albinas. O contraste do vermelho na pele clara é mais bonito. Batom vermelho. Vestido. Sapato. Bolsa. Sangue. Jorrando. Pingando. Manchando o forro – branco.

Sou um artista. Ou poderia ser. Minha preocupação com o cenário, os detalhes... Quero saborear todas as sensações: o cheiro, o tato, o som. O gosto. Sim. Me aproximo do corpo. Devagar, sem piscar, em estado de contemplação. Agacho a seu lado, suave. Além de tudo, seus cabelos são negros. A harmonia perfeita. Da Vinci invejaria minha musa. O corpo magro, na medida certa, sem perder as curvas. Poucos pelos. Longos cabelos escorridos. Deitada, com os braços cruzados sobre o colo, os olhos cerrados. Pacífica.

Seguro o canivete, meu cavalete. É hora de começar. Faço um pequeno rasgo na barriga. O sangue se derrama perto do umbigo. Escuro. Espesso. Sigo com cuidado a curva de cada seio, por baixo. O líquido corre para se juntar ao da outra parte. Que efeito! Ponho a língua de fora e ouso tocar a poça vermelha em formação. Amargo. Bom. Lambo mais. Mordo o abdome. Como um cão. Somos todos animais. Me afasto um pouco para observá-la. Linda. Colorida. Marcada. O tic-tac de seu coração inerte ainda ecoa no ambiente silencioso.

Sei, por instinto. É o momento do grand finale. Volto à posição anterior. O canivete perfura sua garganta de ponta a ponta. É o sangue mais vivo, o que prenuncia a morte. O mais saboroso. Sugo dessa fonte de petróleo rubro. Néctar de energia pulsante, renovadora. Satisfeito, levanto e limpo a boca. O canivete também. Silêncio. Orgulho de minha obra, já posso descansar. Registro em minha mente o retrato da cena recém-construída. Sangue seco. Borrões na pele como tinta na tela. A vanguarda dos limites do corpo humano.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Sala de aula (trecho de Dançando na Varanda)

 Me apaixonei pela sala de aula em 2012, quando obtive uma bolsa de iniciação à docência e comecei a trabalhar no LICOM (Línguas para a Comunidade) da UERJ, graças ao incentivo de uma amiga. Obrigada, Bia. Foi a primeira turma que assumi. Antes disso, havia atuado como monitora no curso de inglês, acompanhando os professores nas turmas, participando das conversações e tirando algumas dúvidas dos alunos. Era diferente porque eu era uma ajudante, e não a responsável pela turma. De repente, estava sozinha nessa função: preparar as aulas, explicar o conteúdo, elaborar as provas e corrigir, tudo era papel meu. Claro, havia a orientação de uma coordenadora, algumas reuniões com os outros bolsistas, onde podíamos trocar. Mesmo assim, foi um novo desafio.

E, pra quem achava que não tinha jeito pra lidar com gente, que seria impaciente e impositiva, aprendi, em sala de aula, a exercer minha autoridade de maneira doce e acolhedora. Todo mundo pode falar. Todo mundo pode sugerir. Todo mundo pode aprender, inclusive eu, com todo mundo. Meus alunos me conquistaram com muita facilidade e acho que posso dizer que a recíproca é verdadeira. Se aprender já era uma paixão, ensinar se tornou rapidamente outra. Pois qual maneira mais efetiva de aprender que transmitir o que se sabe?

(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A criança que habita em mim

A criança que habita em mim
Quer ser livre e brincar
Na hora que lhe convier
Sem maiores preocupações

A criança que habita em mim
Ri da adulta séria
E não entende
Pra que tantas tarefas e obrigações

A criança que habita em mim
Às vezes diz coisas sábias
Sem perceber
Em seu processo de descoberta do mundo

A criança que habita em mim
Me convida pra jogar
Lhe dou a mão
E seguimos

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

UERJ (trecho de Dançando na Varanda)

 

Agora chegamos à faculdade, minha amada UERJ. Estranho seria se eu não me apaixonasse por aquele prédio cinza, de corredores enormes e salas abafadas. Quem não vê beleza nisso pode pelo menos apreciar os espaços arborizados das entradas, com flores, um pequeno lago, alguns patinhos sobreviventes da maldade dos imbecis que os afogam durante as festas (que revolta ao saber dessa história) e seus infinitos gatos rondando o campus (é de praxe parar pra fazer carinho em algum, ao chegar). Como eu adoro aquele lugar! Mesmo com todos os problemas, os banheiros imundos, a burocracia, as greves, todos efeitos do descaso do governo com a educação pública, é evidente o empenho dos professores e alunos pra transformar a universidade em um espaço onde o conhecimento circula. Pra mim, a UERJ cheira a liberdade, diversidade e troca.

(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Sobre eleições

 

O cenário político brasileiro vive um momento crucial. Os resultados das últimas eleições foram bastante significativos. Eles nos mostram que, se podemos nos livrar de Bolsonaro (aguenta coração para o segundo turno), vai ser bem mais complicado extirpar o bolsonarismo e tudo que ele representa. Diversos candidatos bolsonaristas foram eleitos para compor a Câmara e o Senado, entre eles Damares, Mourão e Ricardo Salles. Parece um circo dos horrores.

O bolsonarismo representa o pior do brasileiro, nosso lado mais preconceituoso, conservador e elitista. Isso não surgiu com Bolsonaro, mas ele dá voz a essas pessoas. O anti-petismo é apenas uma desculpa. Fazer críticas ao governo do PT e defender a alternância de poder é uma coisa. Porém, eleger um cara despreparado, corrupto (mas o problema era mesmo a corrupção?), misógino, racista, homofóbico, ignorante, e por aí vai, é algo bem diferente.

É claro que não precisamos concordar com tudo o que um candidato diz/faz para elegê-lo. Podemos (e devemos) criticar e cobrar nossos representantes. Mas o debate político se tornou tão raso que pouco se discutem propostas. Entramos numa polarização odienta e violenta, com discursos inflamados, ataques pessoais, agressões e até assassinatos. Isso é preocupante.

A questão vai muito além de ser de direita ou de esquerda, de pensar diferente, o que é normal e saudável para a política. Não (re)eleger Bolsonaro é uma questão de valores. “Alemanha acima de tudo” era o slogan nazista de Hitler, que, vale lembrar, chegou ao poder legalmente. Eu acredito num Brasil não acima de tudo, mas acima (e além) de Bolsonaro. Acredito num Deus não acima, mas ao lado de todos, até de quem não acredita nEle (afinal, o Estado é laico – risos nervosos).

No segundo turno, por favor, vote com consciência. Não jogue baixo, não dissemine fake news, não se exalte (ai, eu sei que é difícil, mas vamos tentar). Discuta ideias. Defenda valores. Não vote por medo nem por ódio. Vote com a mente e com o coração. Vamos tentar ser melhores – pelo menos a gente faz a nossa parte.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Dançando na Varanda (trecho)

 

A você que já teve ou está tendo uma forte crise emocional: senta, me dá a mão, olha nos meus olhos e ouve - vai passar. Eu sei que parece que não vai. Sei que você só quer que a dor pare, vá embora e te deixe em paz, porque é insuportável e você não merece isso. Não, você não merece. Você não fez nada de errado. Tá tudo bem. Você é apenas humano. Só você sabe o que sente. E é legítimo sentir. Mas vai passar. Não lute contra a dor, entregue-se a ela. Não tente represar a emoção, estancar a ferida: transborde, sangre, se desmanche em poesia, dança, canto, abraços, choros e risos. Vai passar e você vai se fortalecer. Acredite. Você não está sozinha. Conte com quem puder. Confie. Veja o melhor nas pessoas. Veja o melhor em você. Você é forte! Você é foda! Mesmo quando está frágil. Principalmente quando está frágil. Afinal, você é apenas humano. E isso não é pouca coisa!


(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Vida Acadêmica - Dançando na Varanda (trecho)

 

O que eu fui estudar? O sadismo. É bom quando a gente escolhe um tema leve, né? Meu orientador, o professor Júlio França, pesquisava sobre a monstruosidade e o que denominava “medo estético” ou “artístico”. Seguindo essa linha, peguei um livro bem tranquilinho chamado “Os 120 dias de Sodoma”, do Marquês de Sade. Tem uma adaptação pro cinema do Pasolini: só procure se você tiver estômago forte. O meu orientador perguntou, na entrevista, se eu tinha conseguido ler o livro todo. Ele, que estudava o gótico, o monstro, umas coisas bem macabrinhas, perguntou se eu tinha lido até o final. A resposta foi sim, é claro.

O engraçado é que sempre fui mais reservada na vida pessoal, até tímida mesmo. E foi na vida acadêmica que venci certas barreiras. Chegava nos eventos pra apresentar com meu vestidinho estampado, bijus coloridas e feições meigas, abria um sorriso e começava a falar sobre o sadismo, a monstruosidade, a pornografia, etc. Sou a quebra de expectativa em pessoa. Não gostava de falar palavrão, e tinha que comentar sobre o universo sadiano, repleto de “fodedores”, “paus”, “bocetas” e “cus” (ampliei bastante o vocabulário em francês, lendo no original). Um dos professores que estavam na minha banca de defesa da dissertação disse que é comum que os pesquisadores adotem um pouco do estilo do autor analisado. E isso é engraçado quando se trata do Marquês de Sade. Porque nada na minha vida pode ser muito comum... Ou pouco desafiador. Pelo menos de tédio eu não morro.


(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Autorretrato

 

Mulher

Balzaquiana

Sagitariana

Não quer ser mãe

Mas adora ser filha

(Da mãe)

 

Professora

Pesquisadora

Escritora

Yogini

Dançarina

Oraculista

 

Amante

Das artes

Dos encontros

Dos eventos

Da vida

 

Agenda sempre cheia

Cabeça a mil por hora

Coração acelerado

Com momentos de calmaria

 

Descobriu a importância

Das pausas

Do foco

Do olhar para si

 

Ama sem depender

Age após hesitar

Conhece sem saber

Descansa após trabalhar

 

Introvertida

Intrometida

Estuda Sade

E se veste como a Barbie

 

Gosta de viajar

Com conforto

Trabalhar e estudar

Com prazer

Rir do próprio desgosto

Apreciar a beleza do ser


(Poema escrito para o tema "Autorretrato" do Ecos Poéticos)

domingo, 11 de setembro de 2022

Sobre expectativas

 

“Tu te tornas eternamente trouxa pelas expectativas que crias” (Antoine de Saint-Exupéry – juro que foi, eu vi no Google). Não vou criar expectativas, não vou criar expectativas, não vou criar expectativas... Já está criando. Aliás, essa é a pior de todas: a expectativa de achar que vai conseguir não criar mais expectativas. Quer saber? Relaxa. Criar expectativas é natural para nós. Natural e mesmo saudável, até certo ponto. Porque se empolgar com um novo projeto, uma nova pessoa, uma nova oportunidade é muito gostoso. O problema é quando nossas expectativas são altas demais e/ou realistas de menos, o que nos leva a constantes frustrações.

Então, como criar expectativas possíveis e estimulantes? Não existe exatamente uma fórmula, funciona mais por tentativa e erro mesmo. Afinal, só conhecemos os nossos limites após ultrapassá-los. E todo mundo tem alguma história de fracasso e desilusão pra contar. De como achamos que aquela pessoa era o amor das nossas vidas e ela acabou se revelando uma bela filha da puta. De como acreditamos que conseguiríamos o emprego dos sonhos, mas as circunstâncias não nos permitiram. Ou até conseguimos, porém o sonho se tornou um pesadelo no dia a dia. Insira aqui qualquer outro exemplo, em qualquer setor da vida que seja.

A questão é: o que aprendemos com esses erros e frustrações? Porque podemos chorar em posição fetal e culpar o mundo mau, nos colocando como eternas vítimas do destino, ou podemos tentar reavaliar o caminho, pensando em fazer diferente na próxima vez. Isso envolve nos responsabilizar pelas nossas atitudes. E pelas nossas expectativas. Será que não meti os pés pelas mãos? Será que não agi impulsivamente, sem medir as consequências? Será que não apostei demais em alguém que dava sinais claros de desinteresse? Acontece. Calma, respira, põe a cabeça no lugar e se reconstrua. O bom das expectativas é que elas se moldam ao nosso momento, se conectam à nossa energia. Expectativas são flexíveis e mutáveis, assim como nós deveríamos aprender a ser. Aproveite.

domingo, 4 de setembro de 2022

Resenha: Amarração de amor

 

“Amarração de amor: pagamentos após resultados”, de Bruno Couto, é, obviamente, um livro sobre amor. Em especial, sobre as dores do amor, o rompimento, o abandono, a rejeição. Aquele amor que gostaríamos de preservar, de “amarrar” por magia para que não escapasse. Afinal, como nos diz o próprio autor no prefácio, estar apaixonado é humilhante.

Ao longo de vários poemas curtos, frases, conversa de Whatsapp, reflexões e desabafos, Bruno nos guia pelas etapas do enamoramento, do encanto à exclusão. Tudo começa com um áudio da Marisa Monte enviado pelo ser amado que faz tão bem ao eu-lírico. Depois, há uma série de dúvidas, questionamentos, perguntas sem resposta. Passa-se pelo êxtase, pelo jogo erótico, pelo sofrimento, pela solidão, pela recordação, pela vontade de esquecer.

Bruno também nos fala sobre ser homossexual e ter sua sexualidade reprimida pela culpa que a sociedade preconceituosa o faz sentir, até o momento de sua aceitação e livre expressão. Esse tema já aparece no primeiro poema: “A jornada do herói”, em que o eu-lírico conta como se descobriu gay, ou “bicha”, como o próprio autor coloca. O tema é retomado em “Viado de máscara” e “A bicha que mora em mim”, em que rediscute clichês sobre o que seria considerado “coisa de viado”.

Quanto à linguagem, é possível apreciar um lirismo do cotidiano, simples e profundo. O autor utiliza elementos da cultura popular, como “um dia de princesa, com Netinho de Paula”, Claudia Leite e Lady Gaga, diálogo de Whatsapp, rituais de candomblé, paisagens cariocas, enfim, recortes da realidade rotineira que nos fazem nos identificar ainda mais com o eu-lírico.

Por fim, deixo aqui duas frases do livro para nos fazer refletir: “O oposto do rancor é saudade” e “deus é a dor que a gente acostuma”.


Referência

COUTO, Bruno. Amarração de amor: pagamentos após resultados. Cotia:Urutau, 2022.


sábado, 27 de agosto de 2022

Sobre viver com consciência

 

Dormir com sono, comer com fome, perceber as vontades do corpo, que não respeitam necessariamente a organização cronológica do tempo, é permitir-se viver com mais prazer. Observar os ciclos: “Hoje estou mais produtiva, vou trabalhar um pouco mais”, “Hoje estou mais cansada, vou procurar dormir mais cedo”. Comer uma coisinha diferente, tirar um cochilinho à tarde, ver um filminho à noite, criar brechas na rotina pra poder relaxar o corpo e a mente, repor as energias. E tudo bem procrastinar um pouquinho, tudo bem ter preguiça. Faça as coisas no seu próprio ritmo, saboreando cada atividade, estando presente em cada momento, porque ele é único.

Seja gentil com você. Se não conseguir cumprir todas as metas, se não deu tempo de resolver aquele assunto, calma, pare, respire e recalcule a rota. Enquanto há vida, dá tempo, tem jeito, vai aparecer uma solução ou outra oportunidade ainda melhor. Não se renda. Entregue-se apenas ao fluir da vida, deixa acontecer. Planeje, organize-se, dentro do possível, mas não se cobre tanto e, principalmente, não tente controlar tudo. Perceba e respeite os seus limites. Não se compare a ninguém. Você não conhece os bastidores de casos de sucesso. Além disso, o que funciona para o outro nem sempre funciona pra você. Teste. Experimente. Ouse. E vá se percebendo, descobrindo o que é bom, o que incomoda, o que falta, o que sobra, o que gosta, o que prefere evitar.

Viver não tem regras, ser humano não vem com manual de instruções. Não há acerto sem erro nem aprendizado sem dor. Acolha suas vulnerabilidades, perdoe suas falhas, faça as pazes com você. Troque a culpa por responsabilidade e o julgamento por observação. Tenha um olhar generoso sobre si e os outros. Ria de si mesmo, seja leve. Ame o que faz, dê o seu melhor. Aceite os dias ruins, valorize os bons momentos. Procure ajuda se precisar, ofereça o ombro amigo quando solicitado. Seja corpo, seja mente, seja feliz, seja você, seja.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Dançarina

 

Meu corpo

Dança

Meu cabelo

Trança

Meu coração

Balança

Nessa bagunça

De criança

Minha maior

Lembrança

É sempre

A esperança

De outra dança

E outra dança

Outra dança

Dança

Não cansa

De ser intensa

De ser entregue

E assim segue

Liberdade

Cristina não aguentava mais. Estava exausta. Já oferecera sorvete, chocolate, brinquedo. Nada parecia adiantar. Duda não parava de chorar. Nunca batera no filho, mas chegou a ameaçar. Nem isso! O choro aumentou até.

As pessoas no ônibus olhavam feio. “É, imagina aturar isso todo dia”, Cristina pensava, sendo denunciada por suas olheiras. O marido trabalhava o dia todo. Só chegava à noite e era recebido com festa. Durante o dia, era ela quem tinha que aguentar as manhas, as crises de choro… Decidira trabalhar em casa pra poder ficar perto do filho, porém só conseguiu ficar ainda mais exausta com as infinitas interrupções.

Queria contratar uma babá, mas o pai era contra. Pra ele, era fácil. Por que não trocava com ela então? Também pensou em pedir a ajuda da mãe, porém ela dizia que não queria mimar o menino. A verdade é que ninguém queria aquela responsabilidade. Sobrava pra ela, mãe de primeira viagem, já desesperada.

Eduardo era uma criança difícil, se é que existem crianças fáceis. Tinha um temperamento terrível! Não podia ser contrariado que soltava o berreiro. E Cristina não sabia por que era assim, pois sempre tentou lhe impor limites, não cedia a todas as vontades do filho, como muitos pais. Ela não sabia mais o que fazer. Pensou até em pedir ajuda a um especialista. As crianças começam a frequentar um psicólogo cada vez mais cedo. Vivemos numa época de neuróticos. Mas, bem, se fosse resolver o problema…

As pessoas só sabiam palpitar, só que ninguém ajudava de verdade. Arranjavam as soluções mais óbvias: “Coloca de castigo”, “Tenta distrair com algum jogo”, “Dá recompensas por bom comportamento”. Como se ela já não tivesse tentado de tudo!

Por isso, estava esgotada. Já passara muito dos seus limites. E, aquele dia, no ônibus, foi a gota d’água. Primeiro, entrou numa espécie de transe. O choro agudo de Duda, os olhares incomodados dos outros passageiros, tudo parecia tão distante… É como se ela não estivesse mais aqui, nesse plano. Que engraçado. Por alguns segundos, chegou a se sentir em paz. Mas o filho a puxou de volta à realidade ao gritar “Mãe!” e segurá-la pela manga da blusa.

Então, Cristina se desesperou. Sem pensar, deu o sinal e saltou correndo do ônibus. A criança não conseguiu alcançá-la, nem teve tempo para levantar do assento. Continuou chorando, mais ainda, sem a mãe.

Cristina pegou outro ônibus de volta pra casa. Era sábado, mas o marido estava viajando a trabalho. “Foda-se o passeio no shopping!”, pensou. “Eu só quero sossego”. Chegou em casa e tomou um longo banho de banheira. Que delícia! Finalmente tinha um tempo só pra si.

Claro que logo em seguida viriam a culpa e a preocupação com o filho. Será que ele conseguiria voltar pra casa? Encontraria pessoas de bem que o ajudassem? Tomara que sim. Mas, antes, precisava cuidar de si. Depois do banho, tirou uma boa soneca. E se Duda nunca mais voltasse? Sabia que o pânico logo se instalaria ao considerar essa possibilidade. No entanto, por um momento, uma breve fração de segundo, desejou nunca mais ver o filho e poder ter sua vida de volta.


Conto publicado no Corvo Literário

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sobre gente empolgada

 

Como uma boa sagitariana, faço parte do time dos empolgados. Se não estou apaixonada por algum novo projeto, fico facilmente entediada. Preciso de algum estímulo na rotina: uma comida diferente, conversas produtivas, um filme inspirador... Descanso, não podemos esquecer, pra espairecer as ideias.

Ser empolgada tem suas vantagens e seus desafios. É muito legal ser aquela que puxa o bonde, que diz “vamos” e mete a cara, se joga numa nova aventura. O risco é se sobrecarregar, já que costuma dizer “sim” pra tudo, ou quase tudo, e se iludir achando que determinado caminho é viável, sem ver o abismo logo à frente. Às vezes nos falta senso de realidade e disciplina.

Empolgação pode ser um bom combustível ou apenas fogo de palha. Gente empolgada é uma delícia, mas cansa. Pra ter ideias, dar o start, são os melhores. Pra executar e finalizar os projetos, nem sempre. Por isso o mundo precisa de gente empolgada e gente mais pé no chão, pra equilibrar. Alguém tem que ser o chato e mandar a real. Sem o Lula Molusco por perto pra controlar o Bob Esponja, ninguém aguenta (alerta de referência cringe).

E você? É do time dos empolgados ou prefere manter os pés no chão? Que tipo de pessoa é mais agradável de se conviver? Eu confesso que prefiro os empolgados, pois são mais divertidos. A realidade precisa de um colorido. Concorda?

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Amizade

 

A amizade é um presente

A amizade é dar presente

A amizade é estar presente

Até virar presunto


20/07 - Dia do Amigo 💗😀

sábado, 9 de julho de 2022

Água parada

 

As palavras me perpassam, me transpassam, me transbordam. As palavras me acalentam, me alimentam, me sufocam. As emoções se escondem, fogem, se apertam dentro de mim. Meu coração é rio e eu sou represa, ainda tão presa ao pensamento, apesar de tudo. Meu corpo é cachoeira e eu fecho a torneira, paro, travo, acabo e não me acabo. Mas cada vez menos. Cada vez menos me importo, cada vez mais sou porto e faço as pazes com meu corpo, com minha mente, que tanto sente e se ressente, mas, no fundo, se reconhece potente. Sou ser vivente e brincante, uma grande amante da arte de viver.

Linguagem não-verbal

 A linguagem não-verbal ainda é uma dificuldade pra mim. Sei que o corpo também é texto, mas me sinto uma analfabeta funcional ao tentar lê-lo. Pior ainda, sê-lo. Paro, hesito, não confio em meus instintos, não me entrego fácil, por medo de falhar, de me machucar. Prefiro o caminho seguro, o risco controlado: ainda não tirei as rodinhas da bicicleta. Esqueço, porém, de olhar os progressos: a busca em si já é o processo. Tanto encanto pelo caminho, e aquele tantinho de dor. Sou maior do que já fui, e olha que ainda espicho mais! Sou capaz. Não nasci com o molde errado: tenho a medida certa pra minha felicidade. E verdade seja dita: sou tão bonita em meu jeito estabanado de me colocar no mundo. Quanto mais me permito me perder, mais me encontro.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Resenha: Um encontro no rio dentro do rio

 

“Um encontro no rio dentro do rio”, de Tania Afonso Chaves, é um livro intimista, de muitas (auto)descobertas e metáforas bonitas. Tudo começa quando Valentina decide escrever um livro. Nesse processo, ela se reencontra consigo mesma, especialmente quando decide viver na floresta com sua filha, Aurora Boreal. Através do contato com a natureza e com ajuda da sabedoria da velha Josefina, ela se liberta de antigos padrões e consegue dar forma à sua história.

Valentina cresceu num mundo “encaixotado”, pois esse era o trabalho de seu pai, muito metódico, realista. Perto de sua morte, ela diz: “Papai, obrigada pela ética, pelo compromisso, pelo senso de responsabilidade. Sigo com eles, deixo as caixinhas para trás”.

Já quando está vivendo na cabana com sua filha, ela confidencia em uma carta à mãe: “É, dona Beneditina, não tenho mais tempo para distrações. No cotidiano, não me permito mais excesso de tarefas ou me entorpecer para não acessar as emoções. Estou criando espaços e tempos para me deitar na grama, caminhar, meditar junto ao caquizeiro”.

Aurora Boreal, através de seu olhar puro de criança, também lhe ensina muito. Ela observa a natureza e enxerga universos, contesta as convenções, ao querer se vestir de sunga, em vez de biquíni, gosta de “ser gente” e tem o espírito aventureiro. Valentina relata: “O olhar dela é como um farol me apontando direções”.

Ao longo de seu breve, porém intenso e sensível relato, a protagonista nos conta dos desafios e dos encantos de estar em contato não só com a natureza externa, mas especialmente com a interna. E nos encantamos e nos redescobrimos junto com ela, compartilhando de seu amor pelos livros e pelas pessoas.

O romance está à venda pelo site da Amazon e vale muito a pena a leitura!

Sobre razão e emoção

 

Sou uma pessoa muito racional. Meu processo de escrita é bastante consciente. Não demonstro minhas emoções com facilidade. Quase nunca choro. No entanto... Quem me conhece sabe que isso é apenas a casca. A verdade é que sou toda coração. Minha escolha profissional foi feita com paixão. Me empolgo com tudo e todos. Me apaixono perdidamente ou nem quero saber de ninguém. Estou sempre em combustão por dentro, ainda que por fora pareça a calma e a seriedade em pessoa.

Outro dia estava conversando com uma amiga. Sobre como sentimentos são difíceis de administrar e, muitas vezes, nos atrapalham. Pelo rumo que a conversa tomou, chegamos à conclusão de que pessoas aparentemente muito racionais escondem uma grande intensidade e sensibilidade. A gente tem medo de se machucar e aciona logo nossas defesas. Ao mesmo tempo, não nos conformamos com relações líquidas. A gente quer profundidade pra mergulhar. Será que existe um limite saudável entre o amor próprio e a entrega? Deve existir.

Penso no meu professor de dança, que é uma das pessoas mais emocionadas que conheço. Não pronuncia duas frases completas sem embargar a voz. Acho lindo isso! O mundo precisa de gente que não tenha vergonha de chorar. Que não considere fraqueza demonstrar seus sentimentos. Água parada faz a gente adoecer. Sei por experiência própria. Então transbordemos. Façamos arte, música, dança, literatura. Somos seres emocionais. Sinto, logo existo. A razão pode vir depois, como complemento, para organizar a casa. Mas, primeiro, vamos nos permitir pulsar. Combinado?

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Não é amor?

 

Só é amor se for do meu jeito

Só é amor se for aquela pessoa

Só é amor se passar no teste

Só é amor se passar o tempo

Só é amor quando eu decidir que é

Só é amor quando fizer sentido

Só é amor quando se declarar

Só é amor quando pôr em prática

Só é amor quando não for mais amor

Só é amor se for assim

Só é amor se for assado

Mas quanto amor já não existe

Nesse suposto desamor

 

P.S.: Favor relativizar o poema e não romantizar migalhas.

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Resenha: Refrão sobre nós

 

Em “Refrão sobre nós”, um grupo de amigas e um amigo se reúnem para seu encontro anual no mesmo bar de sua cidade natal. A conversa acaba evoluindo para grandes confissões sobre suas experiências sexuais. Assim, acompanhamos relatos sobre relações no trabalho, com desconhecidos na rua ou em festas, jogos de dominação, ménage à trois, troca de casais e muito mais.

O desejo feminino é protagonista das diversas histórias. Num dos diálogos, o marido de Eliandra diz:

“Isso aqui – Roberto falou enfiando o dedo na minha boceta sensível. – Tem dono. Você sabe de quem é isso?

– É seu. – Respondeu o estranho.

– Não... É dela. – Ele me virou para ele e me beijou na boca. – A decisão é dela, o corpo e o desejo são dela.”

Nas pausas entre as confissões, as amigas também falam sobre machismo, convenções, monogamia e relacionamento aberto e feminicídio. Uma delas, Heloísa, está ausente e o motivo é mantido em segredo até o fim do livro: sua história é bastante impactante, trágica e infelizmente comum a muitas mulheres.

Como num bom livro erótico, os relatos são excitantes, nos mostram diversas maneiras de sentir prazer e como não temos ideia do que aquela amiga calada faz para se divertir nas horas vagas ou que aquela outra certinha gosta de uma transgressão na cama. Como dizia Nelson Rodrigues: “Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém”. No entanto, em “Refrão sobre nós”, a contação de histórias parece unir ainda mais as amigas, que passam a se conhecer melhor, a acessar um lado desconhecido de si mesmas. Falar sobre sua intimidade permite que elas deem livre expressão ao seu desejo – e por que deveriam se envergonhar disso?

Mas o livro vai além e nos faz refletir sobre temas sociais. Em determinado momento, Camila resume: “A questão é que nós não somos livres: sejamos solteiras, sejamos casadas. Solteiras, nossas ações são julgadas pela sociedade; casadas, pior ainda”. Em outra ocasião, Caroline aponta: “Quantas de nós passamos por situações de violência e nem percebemos? Violência contra mulher não é apenas a agressão física, o tapa. Quantas nós transamos sem vontade, porque sentimos que temos essa obrigação? Isso é um tipo de violência”.

Enfim, não é difícil se identificar em alguma medida com os temas das conversas, quando se é mulher, ou tentar entender as situações pelas quais as mulheres passam, quando se é homem. O romance pode ser excitante para ambos os sexos e, o mais importante, nos faz naturalizar e respeitar as múltiplas formas de exercer sua sexualidade.

“Refrão sobre nós” é um romance de Talita Bueno, está em pré-venda pela editora Magnólia e também disponível em formato de ebook pela Amazon.

Trecho de "Dançando na Varanda"

 


"Dançando na Varanda" está disponível para compra no site da editora Flyve, em formato ebook pela Amazon e agora estará na Bienal de São Paulo, estande 88.


sábado, 2 de julho de 2022

LGBT

 Livre

Genuíno

Belo

Transgressivo


E tantas outras letras

Siglas

Palavras

Categorias

Identidades

Sem rótulos


Que haja respeito

Pela luta

De quem só quer

Garantir seu direito

De existir



Imagem: Mandala lunar


terça-feira, 21 de junho de 2022

Yoga (Dançando na Varanda)

"Yoga significa 'união' e trabalha, em conjunto, a saúde do corpo e da mente. A respiração é a nossa âncora, viver no agora é a nossa filosofia e o equilíbrio é a nossa busca para atingir a paz de espírito. O yoga me ensinou que tudo é interno, todo processo começa de dentro pra fora. Assim, quanto mais perto chegamos do autodomínio, menos nos deixamos afetar pelas circunstâncias externas, quanto mais aceitamos o que não podemos controlar, melhor podemos agir em nosso benefício e o alheio. Afinal, somos perfeitos e já temos todos os elementos necessários para uma vida plena e feliz. Não é maravilhoso? E não é só teoria – olha que eu sou doida pra me perder no abstrato. Tudo isso a gente vai entendendo na prática, por meio de exercícios respiratórios (pranayamas), posturas (ásanas) e gestos (mudras), meditações, mantras, pensamentos positivos, estilo de vida saudável... O yoga é um grande convite ao bem estar natural e simples. Uma atividade completa, acessível e muito prazerosa. Não se trata de fazer um exercício funcional algumas vezes por semana para atingir determinado objetivo, como perder peso (apesar de ajudar nisso também). Trata-se de uma mudança de postura, de um modo de viver mais consciente e pleno. O yoga trabalha a transformação do ser. Era exatamente disso que eu precisava."


(Trecho do meu livro "Dançando na Varanda")

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Sobre dias ruins

 

Era segunda e acordei cansada. Estranho. Normalmente tenho mais energia no início da semana e vou perdendo as forças lá pra quinta, sexta-feira, precisando de recarga como um celular. Então, já interpretei como um mau sinal começar a semana com baixa energia. O prenuncia de uma semana difícil. Estava certa.

Na madrugada de terça pra quarta, acordei passando mal. Deve ter sido algo que comi e não bateu bem. Cancelei as aulas da manhã pra descansar e tentar me recuperar. Fui melhorando, mas ainda me sentia fraca. Passei o dia na casa dos meus pais e dormi por lá, após a única aula que consegui dar à noite. Fui cuidada e repousei. Na quinta, já me sentia melhor e consegui trabalhar normalmente. Mas não dei conta de tudo que precisava fazer. Fiz o mínimo possível. Paciência.

Já tinha programação pro fim de semana e, como já estava me sentindo bem, segui com o combinado. A virada de chave aconteceu no sábado. Ao encontrar um grupo de amigos, pessoas muito queridas e especiais, voltei pra casa renovada! Pelo menos consegui terminar bem a semana.

Mas por que estou contando tudo isso? Pra dizer que os dias ruins e improdutivos também fazem parte da rotina. Não dá pra forçar. Claro que é muito melhor trabalhar com vontade e energia, conseguir cumprir as tarefas com calma e precisão, ainda sobrar tempo de folga pro lazer e descanso. Mas nem sempre é assim. E tá tudo bem também. A gente tem que respeitar nosso ritmo, nossos limites. Às vezes sair da cama já é uma grande vitória. Celebre as pequenas conquistas. Não esqueça de se cuidar, de se mimar. Senão fica tudo muito pesado. E a vida não pode ser uma tortura.

Dias ruins sempre nos ensinam alguma coisa, nem que seja sobre a importância de parar um pouco, reavaliar, recalcular a rota. Essa pausa forçada incomoda porque nos coloca em contato com nosso eu mais profundo, tão difícil de aturar. Tenha paciência com você, escute o seu corpo, preste atenção nos sinais. Nada é mais urgente do que a nossa saúde, física e mental. O resto se recupera.

Hoje é um dia bom. Amanhã, quem sabe? E tá tudo certo. Sigamos.

domingo, 22 de maio de 2022

Resenha: Guerreiros de Odin

 

Em “Guerreiros de Odin”, Jéssica Malvestuto, em parceria com seu marido, Daniel Malvestuto, nos apresenta uma distopia divertida e emocionante, com muita aventura e romance. No ano de 2170, após uma grande guerra, a América tornou-se Corlúnia e a sociedade passou a ser dividida por classes, que vão de A a F. As classes de A a C são reservadas a políticos, empresários, profissionais gabaritados, que possuem acesso a muita tecnologia. Já os membros das classes D a F precisam lutar todos os dias pela sobrevivência, nas piores condições possíveis.

Nesse contexto, um grupo de jovens recebe um convite inusitado para participar de um jogo, valendo seis milhões de denarius, a moeda corrente. São eles: Ethan White, Liz Carter, Miguel Lopes, Mariana Torres, John Rivera e Sophia Berry. Cada um pertence a uma classe diferente e possui uma história de vida diversa. No contexto do jogo, porém, eles estão no mesmo barco e precisam trabalhar em equipe para vencer as provas desafiadoras.

Enquanto acompanhamos os medos, inseguranças e desejos dos personagens, conhecemos um pouco da mitologia nórdica e as verdadeiros intenções dos organizadores do jogo. Passamos a torcer pelos jovens, nos apegamos a eles e queremos vê-los vencer, apesar de o nível de dificuldade das provas aumentar cada vez mais, expondo-os a riscos reais de se ferir mortalmente.

O livro está disponível em ebook pela Amazon, gratuito pelo Kindle Unlimited, e nos garante uma boa dose de ação, risos e suspiros.

Resenha: Vidas roubadas - de quem é a culpa?

 

Em “Vidas roubadas: de quem é a culpa?”, conhecemos a história de Sabrina, estuprada por seu padrasto desde os 13 anos. Infelizmente, tratar-se de uma realidade muito comum, por isso o livro pode servir de alerta a pais e familiares. “Vidas roubadas” é um drama bem construído e realista, que nos faz questionar, de fato, de quem é a culpa. Da vítima, jamais, é claro, apesar de ser comum o abusador tentar culpá-la, afirmando que ela o “provocou”. Por medo da reação da mãe e dos adultos em geral, a vítima tende a silenciar e se recolher. Por isso é importante ficarmos atentos aos sinais: a criança fica cada vez mais calada e desconfiada, desconta suas frustrações nos brinquedos, destruindo-os ou deformando-os, pinta as paredes, faz desenhos mórbidos, etc.

Então, de quem é a culpa? Obviamente, do abusador, um adulto que deveria proteger a criança e não traumatizá-la. Mas também podemos pensar na mãe negligente, que, muitas vezes, prefere ficar ao lado do companheiro, culpabilizando, mais uma vez, a própria filha pelos atos de abuso. As consequências na vida de uma criança/adolescente que sofre abuso são terríveis. Transtornos, evasão escolar, ausência de vida amorosa, insegurança, depressão, tentativa de suicídio e por aí vai... Muitos desses elementos aparecem em “Vidas roubadas”. Sabrina não consegue levar uma vida normal após o início dos abusos e teme que sua irmã menor, Stella, logo se torne uma nova vítima do padrasto. Antes de completar a maioridade, ela já busca trabalhar para ter um lugar onde morar com a irmã.

A trama começa na delegacia de homicídios, o que já nos aponta desde o início que a situação culminará em tragédia. De maneira bastante compacta, já que o livro é curto, Joseli Medeiros nos apresenta o drama da jovem, que conta sua história, parecida com tantas outras, como nos lembra Adam Mattos no prefácio. Alguns dados importantes sobre abusos são apresentados no início de novos capítulos.

Por fim, “Vidas roubadas” emociona, nos faz empatizar com Sabrina e torcer para que ela consiga sair do ciclo tão nocivo de abuso e salvar sua irmã. O livro está à venda pelo site da editora Flyve e disponível também em ebook na Amazon, gratuito pelo Kindle Unlimited.