segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Tristeza

A gente não sabe lidar com a tristeza. Ela é sempre aquele sentimento mal visto, mal amado, que precisa ser combatido a todo custo. Não fica assim. Não chora. É bobagem. Esquece. Você merece ser feliz. A tristeza é uma visita inoportuna, que chega na hora errada, sem avisar; é espaçosa, faz perder tempo, e parece não levar a nada. Ela nos lembra dos nossos fracassos, dos nossos limites, das impossibilidades da vida. Remove a casca da ferida, que volta a sangrar. Retira o véu do bem estar social, arranca a máscara do bom humor e mostra nossa verdadeira face, nosso retrato de Dorian Gray, o espelho (sur)realista tão difícil de encarar. 

A tristeza nos faz mergulhar nas profundezas da nossa subjetividade, e os artefatos que encontramos nesse oceano nos horrorizam. Ela é mais autêntica que a alegria, pasteurizada, generalizada. A tristeza individualiza. Cada um é triste a seu modo. Cada um reage a seu modo. Silenciar a dor ou vivificá-la por meio de queixas, todos os meios de expressão são paliativos. Porque ela não vai embora assim. A tristeza é nosso calcanhar de Aquiles. É a pedra de Sísifo que precisamos carregar montanha acima, seguida e indefinidamente. É a águia devorando nosso fígado de Prometeu, numa tortura lenta e gradual.

A gente não sabe lidar com a tristeza porque ela nos paralisa, sufoca, mata. A tristeza nos desestabiliza. Mas ela não é má. Ela é necessária. É bronca de mãe, para o nosso bem. É tempestade, que lava e leva tudo. É a devastação antes da reconstrução. É o choro que precede o suspiro aliviado. A tristeza purifica e renova.

A gente não sabe lidar com a tristeza. Mas precisa aprender. Para poder saber apreciar a alegria. Para que o nosso sorriso surja puro, descontaminado de dor.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Silêncio

Um dia a gente aprende a respeitar o silêncio – a permitir que ele fale por si só, sem preenchê-lo com palavras vazias e superinterpretações. Um dia a gente aprende a respeitar o silêncio – nosso, alheio, geral; a entendê-lo naturalmente, até amenizar o vão aberto. Um dia a gente aprende a respeitar o silêncio – e deixá-lo pairar no ar, leve, absoluto, sem desespero. Um dia a gente aprende a respeitar o silêncio. Um dia a gente aprende a respeitar. Um dia a gente aprende. Um dia. Um...

domingo, 13 de novembro de 2016

Bastidores

A gente espera grandes demonstrações de afeto, cartas melosas, beijos lascivos, propostas irrecusáveis, até perceber que o amor se esconde nos detalhes. É aquele olhar de soslaio, uma mensagem singela ou a surpresa boba que nos conquista. O amor não se expõe nos grandes palcos: ele repousa nos bastidores. É íntimo, secreto, sujeito à interpretação de quem o vivencia.

domingo, 23 de outubro de 2016

Sabotagem amorosa


Por que a porção de amor que o outro tem a nos oferecer nunca parece ser o suficiente? Só sabemos cobrar, reclamar, vociferar, porque julgamos pouco o sentimento demonstrado, sem pensar em quanto pode custar aquele pouco. Sem imaginar que aquele pouco pode ser o seu limite. Que o aparente descaso pode ser um tremendo esforço. E a gente sabe. No fundo, a gente sabe quando é amado ou não. E sabe que não existe amor pela metade. Ou é de todo coração ou é outra coisa qualquer. A gente reconhece o amor, mas adora sabotá-lo, com a nossa arrogância, aspereza, despreparo. E coloca a culpa no outro do assassinato que nós cometemos, com ou sem cúmplice.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Agora você pode fazer o que quiser

– Quantos aninhos você tem?

– O que quer ser quando crescer?

– Tem tirado boas notas?

– E os namoradinhos?

– Já escolheu a faculdade?

– Já se formou?

– Está trabalhando em quê?

– Quando vocês vão casar?

– Não têm vontade de ter filhos?

– Quantos aninhos ele tem?

– Ele não pede irmãozinho?

– Quando vai vir o segundo?

– Ele já anda? Já fala?

– Como está no colégio?

– Ele vai pra qual faculdade?

– Quando é o casamento?

– E vocês não querem ter netos?

– Agora, depois da aposentadoria, com os filhos crescidos e a vida estabilizada, você pode fazer o que quiser da sua vida, não é mesmo?

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Diálogos Desconcertantes IV

- Eu já percebi essa sua tática de ficar se autodepreciando só pra receber elogios.

- Jura? Mas você acha que isso faz de mim uma pessoa ruim?

- Não, você é ótim... Droga, você conseguiu de novo!

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Quando crescer

Sabe aquelas coisas sobre as quais os adultos diziam: “Quando crescer, você vai entender”? Ainda não entendo.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

segunda-feira, 14 de março de 2016

Diálogos Desconcertantes II

– Esse lugar é ótimo! Não lembro o nome e não sei explicar direito onde fica, mas é ótimo lá, você tem que conhecer!

– Valeu pela dica.

Diálogos Desconcertantes I

– Ai, não consigo mais encontrar sites piratas confiáveis!

– Jura?

– Não é um absurdo?

– Tô besta com esse mundo!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Clichê Reconstruído

Não quis fitar o mar porque é clichê. Apaixonar-se, mais ainda. Já nascera mulher, essa figura romantizada pelo cânone. Pálida, olhos verdes, solitária, melancólica. O estereótipo encarnado. Rebelou-se. Precisava tomar uma atitude. De preferência, radical. Não o suicídio de Werther. Nem os versos de Byron. Queria ser Lady Chatterley; estava mais pra Madame Bovary.

Dizem que se tornou poeta. E até hoje tenta desconstruir os clichês com as mesmas palavras que os criaram.