sábado, 27 de agosto de 2022

Sobre viver com consciência

 

Dormir com sono, comer com fome, perceber as vontades do corpo, que não respeitam necessariamente a organização cronológica do tempo, é permitir-se viver com mais prazer. Observar os ciclos: “Hoje estou mais produtiva, vou trabalhar um pouco mais”, “Hoje estou mais cansada, vou procurar dormir mais cedo”. Comer uma coisinha diferente, tirar um cochilinho à tarde, ver um filminho à noite, criar brechas na rotina pra poder relaxar o corpo e a mente, repor as energias. E tudo bem procrastinar um pouquinho, tudo bem ter preguiça. Faça as coisas no seu próprio ritmo, saboreando cada atividade, estando presente em cada momento, porque ele é único.

Seja gentil com você. Se não conseguir cumprir todas as metas, se não deu tempo de resolver aquele assunto, calma, pare, respire e recalcule a rota. Enquanto há vida, dá tempo, tem jeito, vai aparecer uma solução ou outra oportunidade ainda melhor. Não se renda. Entregue-se apenas ao fluir da vida, deixa acontecer. Planeje, organize-se, dentro do possível, mas não se cobre tanto e, principalmente, não tente controlar tudo. Perceba e respeite os seus limites. Não se compare a ninguém. Você não conhece os bastidores de casos de sucesso. Além disso, o que funciona para o outro nem sempre funciona pra você. Teste. Experimente. Ouse. E vá se percebendo, descobrindo o que é bom, o que incomoda, o que falta, o que sobra, o que gosta, o que prefere evitar.

Viver não tem regras, ser humano não vem com manual de instruções. Não há acerto sem erro nem aprendizado sem dor. Acolha suas vulnerabilidades, perdoe suas falhas, faça as pazes com você. Troque a culpa por responsabilidade e o julgamento por observação. Tenha um olhar generoso sobre si e os outros. Ria de si mesmo, seja leve. Ame o que faz, dê o seu melhor. Aceite os dias ruins, valorize os bons momentos. Procure ajuda se precisar, ofereça o ombro amigo quando solicitado. Seja corpo, seja mente, seja feliz, seja você, seja.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Dançarina

 

Meu corpo

Dança

Meu cabelo

Trança

Meu coração

Balança

Nessa bagunça

De criança

Minha maior

Lembrança

É sempre

A esperança

De outra dança

E outra dança

Outra dança

Dança

Não cansa

De ser intensa

De ser entregue

E assim segue

Liberdade

Cristina não aguentava mais. Estava exausta. Já oferecera sorvete, chocolate, brinquedo. Nada parecia adiantar. Duda não parava de chorar. Nunca batera no filho, mas chegou a ameaçar. Nem isso! O choro aumentou até.

As pessoas no ônibus olhavam feio. “É, imagina aturar isso todo dia”, Cristina pensava, sendo denunciada por suas olheiras. O marido trabalhava o dia todo. Só chegava à noite e era recebido com festa. Durante o dia, era ela quem tinha que aguentar as manhas, as crises de choro… Decidira trabalhar em casa pra poder ficar perto do filho, porém só conseguiu ficar ainda mais exausta com as infinitas interrupções.

Queria contratar uma babá, mas o pai era contra. Pra ele, era fácil. Por que não trocava com ela então? Também pensou em pedir a ajuda da mãe, porém ela dizia que não queria mimar o menino. A verdade é que ninguém queria aquela responsabilidade. Sobrava pra ela, mãe de primeira viagem, já desesperada.

Eduardo era uma criança difícil, se é que existem crianças fáceis. Tinha um temperamento terrível! Não podia ser contrariado que soltava o berreiro. E Cristina não sabia por que era assim, pois sempre tentou lhe impor limites, não cedia a todas as vontades do filho, como muitos pais. Ela não sabia mais o que fazer. Pensou até em pedir ajuda a um especialista. As crianças começam a frequentar um psicólogo cada vez mais cedo. Vivemos numa época de neuróticos. Mas, bem, se fosse resolver o problema…

As pessoas só sabiam palpitar, só que ninguém ajudava de verdade. Arranjavam as soluções mais óbvias: “Coloca de castigo”, “Tenta distrair com algum jogo”, “Dá recompensas por bom comportamento”. Como se ela já não tivesse tentado de tudo!

Por isso, estava esgotada. Já passara muito dos seus limites. E, aquele dia, no ônibus, foi a gota d’água. Primeiro, entrou numa espécie de transe. O choro agudo de Duda, os olhares incomodados dos outros passageiros, tudo parecia tão distante… É como se ela não estivesse mais aqui, nesse plano. Que engraçado. Por alguns segundos, chegou a se sentir em paz. Mas o filho a puxou de volta à realidade ao gritar “Mãe!” e segurá-la pela manga da blusa.

Então, Cristina se desesperou. Sem pensar, deu o sinal e saltou correndo do ônibus. A criança não conseguiu alcançá-la, nem teve tempo para levantar do assento. Continuou chorando, mais ainda, sem a mãe.

Cristina pegou outro ônibus de volta pra casa. Era sábado, mas o marido estava viajando a trabalho. “Foda-se o passeio no shopping!”, pensou. “Eu só quero sossego”. Chegou em casa e tomou um longo banho de banheira. Que delícia! Finalmente tinha um tempo só pra si.

Claro que logo em seguida viriam a culpa e a preocupação com o filho. Será que ele conseguiria voltar pra casa? Encontraria pessoas de bem que o ajudassem? Tomara que sim. Mas, antes, precisava cuidar de si. Depois do banho, tirou uma boa soneca. E se Duda nunca mais voltasse? Sabia que o pânico logo se instalaria ao considerar essa possibilidade. No entanto, por um momento, uma breve fração de segundo, desejou nunca mais ver o filho e poder ter sua vida de volta.


Conto publicado no Corvo Literário

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sobre gente empolgada

 

Como uma boa sagitariana, faço parte do time dos empolgados. Se não estou apaixonada por algum novo projeto, fico facilmente entediada. Preciso de algum estímulo na rotina: uma comida diferente, conversas produtivas, um filme inspirador... Descanso, não podemos esquecer, pra espairecer as ideias.

Ser empolgada tem suas vantagens e seus desafios. É muito legal ser aquela que puxa o bonde, que diz “vamos” e mete a cara, se joga numa nova aventura. O risco é se sobrecarregar, já que costuma dizer “sim” pra tudo, ou quase tudo, e se iludir achando que determinado caminho é viável, sem ver o abismo logo à frente. Às vezes nos falta senso de realidade e disciplina.

Empolgação pode ser um bom combustível ou apenas fogo de palha. Gente empolgada é uma delícia, mas cansa. Pra ter ideias, dar o start, são os melhores. Pra executar e finalizar os projetos, nem sempre. Por isso o mundo precisa de gente empolgada e gente mais pé no chão, pra equilibrar. Alguém tem que ser o chato e mandar a real. Sem o Lula Molusco por perto pra controlar o Bob Esponja, ninguém aguenta (alerta de referência cringe).

E você? É do time dos empolgados ou prefere manter os pés no chão? Que tipo de pessoa é mais agradável de se conviver? Eu confesso que prefiro os empolgados, pois são mais divertidos. A realidade precisa de um colorido. Concorda?