“Pense na flor de
lótus... Pense na flor de lótus...” Míriam tentava, de todas as maneiras, se
concentrar na meditação e pensar na maldita flor de lótus. Mas só o que lhe
vinha à cabeça eram as contas pra pagar, a casa pra limpar, os filhos pra
cuidar, o marido pra conversar! Respirou fundo e tentou se deixar conduzir pela
voz calma do áudio. Era a terceira meditação, ou tentativa de meditação. Foi
convencida por uma amiga, que lhe enalteceu as maravilhas desse exercício
diário, tão bom pra mente e pro corpo, pra relaxar e abstrair dos problemas.
“Mas eu não sei se tenho o perfil, sou tão agitada!”. “Então você tem
exatamente o perfil! Meditação é pra encontrar a sua paz”, esclareceu a amiga.
Será que era normal aquela dificuldade tão grande? Míriam
já queria se mexer toda, mil pensamentos invadiam sua mente, saía da sessão
mais nervosa do que quando começava. Leila explicou que era assim mesmo e que
ela devia insistir. Então lá estava ela, pela terceira vez, lutando contra o
turbilhão interior e se forçando a ouvir a voz do celular. “Deixe que os
pensamentos passem como nuvens, não se apegue a eles...”. Acontece que seu céu estava
em plena tempestade, ou melhor, um furacão. A cabeça latejava e parecia
implorar: “Acabe logo com essa palhaçada e vamos fazer alguma coisa de útil!”.
Ela fizera de tudo pra entrar no clima: se trancou no
quarto em silêncio, acendeu incenso, cuidou da iluminação natural... O problema
era na hora de sentar e se deixar guiar pela meditação. Eram dez minutos que
pareciam uma eternidade! Ouvia fragmentos da voz da professora e o resto do
tempo se perdia no barulho de seus próprios pensamentos.
Talvez fosse um caso perdido. Diria a Leila: “Não tem
jeito, minha mente não me deixa relaxar”. A amiga com certeza viria com algum
conselho que faria tudo parecer incrivelmente simples e a irritaria mais ainda.
Não. Mentiria. Diria que sim, estava fazendo a meditação todos os dias e os
resultados eram espetaculares! Se sentia ótima. Quando, na verdade, faria as
coisas do seu jeito. Sua meditação seria colocar um rock pesado e fazer uma boa
faxina na casa. Isso sim funcionaria!
“Prepare-se para retornar da meditação”, ouvia a voz ao
fundo. Retornar de onde, se ela nem foi? “Respire fundo e solte o ar devagar...”.
Respirou. Fim do áudio. Míriam abriu os olhos e observou o cômodo onde estava. Tudo
na mais perfeita ordem e paz. Exceto por ela. Se bem que... Até que se sentia
bem. Pegou um caderno e começou a anotar os pensamentos que teve, coisas que
precisava fazer. Conseguiu organizar tudo. Sua mente estava clara e focada. Que
estranho... Mas ela não prestou atenção em nada ou quase nada da meditação,
como era possível? Sentiu o cheiro de alecrim no ambiente. Respirou longo e
fundo. Alongou os braços e os afastou devagar. Meu Deus. Não é que aquilo
funcionou, pelo menos um pouco? Sentiu-se melhor do que das outras vezes. Leila
tinha razão, ela só precisava insistir um pouco. E se no dia seguinte fosse
ainda mais eficaz? Faria de novo, com certeza. Todas as manhãs, para iniciar
bem o dia. Agora poderia cuidar da sua rotina com mais tranquilidade, pois os
pensamentos turbulentos pareciam ter ficado pra trás, pelo menos a maior parte
deles.
“Pense na flor de lótus”, ela lembrou e sorriu. Aquela
era a “meditação da flor de lótus”. Nunca havia visto uma, mas procurou umas
imagens no Google pra se inspirar. Era bonita e realmente transmitia paz. Pensou
na flor de lótus. Sentiu-se boba pela própria impaciência ao meditar e ficou
feliz pelo resultado. Soltou uma gargalhada gostosa e se aproximou da janela
pra sentir o vento. Ela só precisava respeitar as pausas. Só isso. Era difícil
ser simples. Mas muito reconfortante.
Conto disponível na revista Contos de Samsara - 2ª edição
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