quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Vida Acadêmica - Dançando na Varanda (trecho)

 

O que eu fui estudar? O sadismo. É bom quando a gente escolhe um tema leve, né? Meu orientador, o professor Júlio França, pesquisava sobre a monstruosidade e o que denominava “medo estético” ou “artístico”. Seguindo essa linha, peguei um livro bem tranquilinho chamado “Os 120 dias de Sodoma”, do Marquês de Sade. Tem uma adaptação pro cinema do Pasolini: só procure se você tiver estômago forte. O meu orientador perguntou, na entrevista, se eu tinha conseguido ler o livro todo. Ele, que estudava o gótico, o monstro, umas coisas bem macabrinhas, perguntou se eu tinha lido até o final. A resposta foi sim, é claro.

O engraçado é que sempre fui mais reservada na vida pessoal, até tímida mesmo. E foi na vida acadêmica que venci certas barreiras. Chegava nos eventos pra apresentar com meu vestidinho estampado, bijus coloridas e feições meigas, abria um sorriso e começava a falar sobre o sadismo, a monstruosidade, a pornografia, etc. Sou a quebra de expectativa em pessoa. Não gostava de falar palavrão, e tinha que comentar sobre o universo sadiano, repleto de “fodedores”, “paus”, “bocetas” e “cus” (ampliei bastante o vocabulário em francês, lendo no original). Um dos professores que estavam na minha banca de defesa da dissertação disse que é comum que os pesquisadores adotem um pouco do estilo do autor analisado. E isso é engraçado quando se trata do Marquês de Sade. Porque nada na minha vida pode ser muito comum... Ou pouco desafiador. Pelo menos de tédio eu não morro.


(Dançando na Varanda - Nicole Ayres)

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