Hoje é o Dia da Consciência Negra e nada melhor do que resenhar um livro vencedor do Jabuti com protagonistas negros. Em O avesso da pele, Jefferson Tenório constrói um narrador que usa a segunda pessoa do singular, dirigindo-se ao pai já falecido. Pedro, o narrador, reconstitui a história de seus pais, a partir do que sabe, ouviu falar ou imaginou, como o próprio confessa. Uma história marcada por preconceito, pobreza, sofrimento e alguma alegria, escondida no fundo.
Os pais descobrem, desde muito cedo, o peso social de sua cor de pele. Vale a pena enumerar algumas situações de racismo: o pai é confundido com um bandido, discriminado em uma entrevista de emprego, vítima de piadas racistas da família de uma namorada branca e abordado diversas vezes por policiais sem motivo; a mãe é vítima de violência doméstica com seu primeiro marido, cuja família também a discrimina.
No romance de Jefferson Tenório, o racismo é escancarado, e revolta, mas infelizmente não surpreende, pois trata-se de situações corriqueiras que vemos todos os dias nos jornais e nas ruas. Tudo isso numa linguagem simples, tom poético e abordagem sensível, que leva em conta os sentimentos dos personagens, suas dores e seus prazeres.
O livro chegou a ser censurado numa escola, ainda esse ano, o que nos mostra o quanto ainda temos que avançar em certos debates. Deveria ser leitura obrigatória.
Finalizo a resenha com um trecho que explica o título, uma fala do pai do narrador:
“É
necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que
ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e
determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida
pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio,
você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende?
Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E
é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário