sábado, 26 de dezembro de 2020

O Duende (Contos de um Natal sem Luz)

 

As datas festivas também guardam sua boa dose de hipocrisia. Não há laços familiares que resistam a uma bela ceia de Natal.

Toda a vila está enfeitada para o Natal. Luzes pisca-pisca coloridas animam a paisagem noturna. Guirlandas, renas, gnomos e papais noeis pendurados nas janelas das casas arrancam sorrisos dos passantes. Poucas pessoas circulam pelas ruas, agasalhadas por causa do frio, e se cumprimentam ao se cruzarem. Uma das casas, grande e aconchegante, se destaca. A casa também está toda enfeitada por dentro: meias listradas sob a lareira acesa, globos de neve temáticos sob o móvel e, no centro da sala, uma bela e imponente árvore de Natal. Uma música se propaga da TV do quarto de Gabriel, de onde ele assiste a um especial de fim de ano.

A campainha toca. Gabriel se levanta da cama e corre até a sala. Ele abre a porta. Não há ninguém do lado de fora. Ouve-se apenas o barulho do vento. Gabriel vê um embrulho de presente e pega, levando-o para dentro de casa. Após fechar a porta, o menino abre o presente, curioso. Dentro da caixa, há um duende de roupas verdes e cabelo ruivo, muito bonito e realista, quase do tamanho da criança. Gabriel fica impressionado. Carregando o duende no colo, ele corre até o escritório da mãe. Dentro dele, Flávia trabalha, mexendo no laptop e falando ao celular. O filho entra com empolgação. Ele mostra o brinquedo novo, mas ela permanece indiferente e pede que ele saia.

O menino entra no quarto com seu boneco. Ele põe o duende de pé, perto de sua enorme coleção de brinquedos de todos os tipos. Um pouco mais tarde, a campainha toca. Gabriel atende. Rodrigo entra, carregando uma mala e uma gaiola. Após fechar a porta, ele abraça a criança.

– Olha só o que eu trouxe pra você.

Ele aproxima a gaiola, com um filhote de Golden Retriever dentro. Gabriel fica exultante.

– Que lindo!

O menino faz carinho no cão. Rodrigo sorri.

– Que bom que você gostou! Eu vou lá dar um beijinho na sua mãe.

Tá bom. Valeu, Rodrigo!

Rodrigo faz um cafuné em Gabriel e passa para dentro com a mala. Gabriel vai brincar no quarto, junto com seu novo pet. Pouco depois, no quarto ao lado, são ouvidos gemidos de prazer. Gabriel coloca uma música alta para abafar o som. Ele volta a brincar. A porta do quarto de Flávia está trancada. Os gemidos ficam cada vez mais altos.

Um pouco mais tarde, uma sombra de criança passa rapidamente pelo corredor. Ouve-se um grande barulho de algo batendo com força no chão e objetos quebrando, além de um ganido de cachorro. Flávia corre para a cozinha e grita, furiosa:

– GABRIEL! O que foi que você fez?!

Um móvel está caído e várias louças espatifadas. Uma poça de sangue se forma por baixo do armário. Gabriel está encolhido num canto, abraçado ao duende. Rodrigo se aproxima.

– Gabriel! Que sangue é esse?

                Flávia retoma:

– GAROTO! Como é que você fez isso?!

Um fio de voz amedrontado reage:

– Não fui eu, mãe!

Como não foi você?! Quem mais tem nessa casa?

                – F-fo-foi o duende...

                – Ah, o duende?! O duende fez esse estrago?

– Foi...abaixa a cabeça, constrangido.

Meu Deus do céu! Quanto caco de vidro! Você se machucou, Gabriel? se aproxima do garoto. Ele faz que não com a cabeça. – Então que sangue é esse?!

A criança quase chora:

– O cachorro...

– O QUÊ?!

– Gabriel, você MATOU o cachorro?

– Não fui eu! O duende, ele... Empurrou o armário... Ele tem força...

– Você tem NOÇÃO do que você FEZ?

– Eu não queria...

– Meu Deus do céu!

                Flávia e Rodrigo estão chocados. O clima pesa como o armário de madeira.

                – Vai pro seu quarto, Gabriel! E não saia de lá até eu mandar!

Ele obedece à mãe. O menino deita em sua cama, chateado. Ele ouve uma discussão entre Flávia e Rodrigo lá fora. De repente, Flávia entra no quarto.

Esse ano, não vai ter Natal aqui nessa casa! Você vai passar o dia inteiro trancado no quarto, pensando nas besteiras que fez! Se quiser ir chorar no ombro do babaca do Rodrigo, pode ir! Mas de mim você não vai receber nada, nem um Feliz Natal! Entendido?!

Gabriel assente com a cabeça, magoado. Flávia sai. Novos rumores de discussão são ouvidos. Gabriel se desliga da discussão e tenta dormir. O menino se agita durante a noite. Ele tem um pesadelo. Acorda assustado, suando frio. Respira fundo. Ao olhar ao redor, sob a luz do abajur, nota os olhos verdes do duende brilhando, de forma sombria. O garoto se assusta.

De madrugada, Gabriel acorda. Ele se senta na cama, boceja e se espreguiça. Ao olhar ao redor, vê que todos os seus brinquedos estão destruídos, exceto pelo duende. Espantado, anda até o boneco.

– O quê?! Por que... Por que você fez isso?!

No quarto, Flávia e Rodrigo dormem. Ela ouve um grande barulho vindo da sala. Suspira.

Ah, não, de novo não!

Flávia se levanta e sai para ver o que aconteceu. Quando entra na sala, faz uma cara de desespero ao perceber que a decoração de Natal está toda destruída. Meias jogadas no chão, globos quebrados, com água vazando, e a árvore caída, com enfeites espatifados. Gabriel, a um canto, olha para a mãe, assustado. A seu lado, o duende deitado no chão.

Mãe! Me escuta! Não foi minha culpa! Eu falei pra ele não fazer isso, eu falei! Primeiro, ele ficou com ciúmes dos meus outros brinquedos e destruiu todos! Depois, ele veio pra sala. Começou a arrancar os enfeites, derrubar tudo. Um horror! Eu tentei parar, tentei fazer ele parar, mas ele não parou! Mãe, por favor, você precisa acreditar em mim! É esse duende! Ele está tentando acabar com o nosso Natal!

E pelo visto conseguiu, não é, Gabriel? Olha só pra isso... Acabou. Acabou o Natal, acabou tudo! – olha o duende ao lado de Gabriel – E esse maldito brinquedo, que a gente nem sabe como veio parar aqui!

Ele se revoltou! Eu não sei como...

Chega, Gabriel! Chega de mentiras! Confessa logo que você quer destruir a minha vida! É isso que você quer, não é? Quer destruir o meu Natal? Quer me punir porque eu não te dou atenção? Então pronto! Pronto! Conseguiu!

Não, mãe, eu não queria isso!

Ela se aproxima do filho.

– Sabe o que faltou na sua educação? Umas boas palmadas! Uma surra é o que você merece, sua peste! bate em GabrielGabriel, nome de anjo! Eu devia ter te batizado de Lúcifer!

O menino chora de dor.

– Não! Para, mãe, por favor!

Flávia continua batendo em Gabriel, com raiva. Ela olha o duende ao lado e se aproxima.

E esse duende MALDITO!

Enquanto Flávia dá chutes no brinquedo, uma pequena mão segura a perna da mulher, que se desequilibra e cai para frente. Ao cair, Flávia bate forte com a cabeça no chão. Uma poça de sangue se forma em torno do corpo da mulher. O sangue se espalha pelo chão e se mistura aos enfeites vermelhos de Natal, causando um efeito macabro. Gabriel olha o cadáver da mãe, perplexo. O menino não consegue esboçar reação. Os olhos verdes do duende brilham. Rodrigo chega à sala. O cenário é de destruição, caos e morte. Alheias a toda tragédia, algumas crianças brincam no parque.


Publicado na coletânea Contos de um Natal Sem Luz Volume V - Editora Illuminare - 2018

All I want for Christmas

 Tudo que eu quero de Natal

É você

Embrulhado pra presente

Aos pedaços

Como você deixou

Meu coração

Que te dei

Ano passado

Então, meu bem

Me faz um agrado

E vê se morre

Viado

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Imprecisão


Eu não tenho
A resposta certa
A palavra exata
O saber preciso
Pro engano
Ou desengano
Pra dor
Ou desamor

É no erro
Que me construo
É da ferida
Que me refaço
Do passado
Eu me despeço
Seguro a lágrima
Exponho o verso

Quando entram
Os sentimentos
A razão
Perde a vez
Dou vazão
Ao talvez
E aceito
O que der
E vier

Não tenho pena
De alma penada
Quando assombrada
Mudo de casa
O coração
Nada é em vão
Tudo é projeto
Tudo tem jeito
No infinito
Do tempo incerto

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Professor na pandemia

 

Professor na pandemia

É estresse todo dia

Já rezei Ave Maria

Mas não passa essa agonia

 

Thiago, você taí?

Tá dando pra me ouvir?

Ih, acho que eu caí

Tô entrando, peraí

 

É sessão de espiritismo

Chama logo o exorcismo

Caiu mesmo ou é cinismo?

Fique com o seu achismo

 

Já briguei com a aluna

E nem tenho mais coluna

Bom dia, bom dia, Bruna!

Cê não era da oura turma?

 

Prova que se multiplica

Exercício que complica

Trabalho dignifica

Mas vê se eu fico rica!

 

Câmera desativada

Ninguém ri da minha piada

Profa, cê tá chateada?

Que nada, que nada!

 

O sorriso é amarelo

O afeto é sincero

Sofro com muito esmero

E impaciente espero

Férias, pra que te quero?

domingo, 22 de novembro de 2020

Esquadrão COVID


Atenção, rapaziada
Bora aglomerar
Seguindo a manada
Pra COVID espalhar

Quem tem medo
Quem tem medo
É coisa de marica
Não tem nenhum segredo
Mais mole que o zika

Fazer festa pode sim
Lotar bar pode também
Num dia de sol assim
Vamo pra praia, meu bem 

É matar e morrer
Pela nossa liberdade
Bota logo pra foder
Essa porra de cidade

Nosso histórico de atleta
É o que vai nos salvar
Vocês é que são pateta
De em casa ficar

Usar máscara certinho
É coisa de viadinho
Penduro logo no queixo
Quer me abraçar eu deixo

Nós não temo paciência
Presse papo de ciência
Por favor tenha a decência
Somo os rei da coerência

Mas pra que tanto alarde
É só uma gripezinha
Vocês é tudo covarde
Parece minha vozinha

Pensa na economia
Somo homi de família
Em defesa da vida
Dos que têm grana na lida

Passa álcool na mão
É quem tem o cu na mão
No meio da confusão
Nós segue o capitão

Matamo o vírus na bala
Ou batemo com a Bíblia
Não precisa de vacina
Nós temo a cloroquina

Nossa bandeira
Jamais será vermelha
Se virou caveira
É porque tá velha

Olha só que legal
O ranking internacional
Agora que tal
O extermínio mundial

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Questão de pele

Queria entender

Por que você me fere

É triste saber

Que é uma questão de pele

Minha pele

Te repele?

Ponha-se no meu lugar

Você tem que batalhar

Pro que eu tenho conquistar

 

Meu ponto de partida

É mais longe do que o seu

Meu ponto de vista

Vai mais longe do que o seu

Seu mundo é limitado

Você vê tudo quadrado

Eu não me sinto julgado

Pois você é o condenado

 

E se sente no direito

De não ter nenhum respeito

Espalhar seu preconceito

Espelhar a ignorância

Tenha santa paciência

Nem um pingo de decência

Parece até demência

Essa sua incoerência

 

Ainda bem

Que não sou seu refém

E vou além

Da sua limitação

Com a minha ação

E a nossa militância

Então faça-me o favor

Do meu valor

Eu que tenho consciência

Você não sabe

Ele não cabe

Na sua caixinha

Tão fechadinha

Pequeninha

De racista

sábado, 14 de novembro de 2020

Culposo

Eu não tenho culpa
Ela tava bêbada
Eu não tenho culpa
Ela tava pedindo 
Eu não tenho culpa
Ela bem que gostou
Eu não tenho culpa
Ela é louca
Eu não tenho culpa
Olha a roupa dela
Olha essas fotos sensuais
Foi fazer o que lá?
Tá reclamando de quê?
Eu não tenho culpa
Engole o choro
Abre o olho
E fecha as pernas
Da próxima vez

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Balanço

A menina balança
Dança com o vento
Canta
Uma melodia melancólica

Não é triste
Sua solidão
É tranquila
Suave
Leve
Como o discreto
Ranger do balanço
Que suporta
O peso
Dos seus sonhos
Frágeis

Ela inspira paz
E expira poesia

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Sobre muros e pontes

Pedra sobre pedra 
Construí meus muros
Do alto do meu castelo
Me senti muito seguro
A vista era linda
E a solidão profunda
Cansei dessa vida
A revolução fecunda
Recolhi as pedras
Dos muros que demoli
E ergui as mais belas pontes

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Sem Frescura

Larga do meu pé
Que eu tenho chulé
Não sou donzela
Tô cheia de remela
Esqueci de depilar
O cabelo tá sem lavar
A unha mal feita
Cansei de tentar ser perfeita

Mas se você quiser vir
Pode vir
Tem vinho na geladeira
Conversa, muita zoeira
A gente pede uma pizza
Vai ser uma delícia

Com você não tem hora
Não se apresse em ir embora
Fica pela companhia
Troca a noite pelo dia
A gente sai pra olhar a lua
Se me animar eu fico nua
E sorrio encabulada
Com aquela sua olhada
Meio encantada
Meio safada 

Gosto quando não diz nada
Vem e não me exige nada
Faço até piada
Com seu jeito meio sério
Meio etéreo
Esse ar de mistério
Mistério sem mentira

Então vem pela aventura
Quem sabe a noite não dura
E a gente fica por aqui mesmo
Nem que seja pra comer torresmo

Vem se pré-requisito
Que a gente é bicho esquisito
Mas se entende
E até se surpreende
Com o rir da vida
O descansar da lida
A leveza
E a beleza
Da nossa própria natureza

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Sorte em miniatura

Agora há pouco pousou um bichinho minúsculo no meu dedo. Olhei pra ele com espanto e curiosidade. Era verde, tinha dois pontinhos pretos como olhos e parecia um grilo em miniatura ou coisa do tipo. Fui pesquisar, descobri que o chamam de "cigarrinha verde". Fiquei reparando, achei o bicho muito engraçado e até passei a simpatizar com ele, coração mole que tenho. Se é verde, deve ser sinal de sorte, não é mesmo? Tão pequeno e delicado que eu poderia não ter notado - como a própria sorte. Nem sempre tenho esse bom humor todo ao receber os insetinhos. Às vezes me irrito e os esmago sem hesitar, descontando nos pobrezinhos o estresse do dia - vai ver é essa a missão deles na Terra. Às vezes mato um sem querer e me encho de culpa - foi mal, Mãe Natureza, não precisa aumentar meu carma, por favor. Mas às vezes interajo com eles, criatura estranha que sou também. E fico pensando em miudezas, daquelas que dão um sentido especial a qualquer bobagem importante demais pra ser ignorada. Vai ver é o tédio da quarentena, certa carência repentina ou solidão patética - o próximo que aparecer vou apelidar de Wilson; é melhor que bola de vôlei, vai. Ou pode ser só eu sendo eu, tentando dar significado aos insignificantes. Vai ver essa é a minha missão na Terra. Ou só uma forma de passar o tempo. É mais legal pensar que a sorte em miniatura pousou no meu dedo agora do que dizer que uma cigarrinha verde entrou pela janela, atraída pela luz e pela mudança de tempo. Mudança de tempo. Taí outra boa metáfora! Sério, eu devia ir dormir. Mas ele voltou, o etzinho...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Porcelana

10 anos
Nem tem corpo de mulher
33 anos
Nem tem cabeça de homem
Qual a idade
Do corpo florescer?
Qual a idade
Da mente adoecer?
O amadurecimento precoce
Da menina
Que não é poupada
A infância tardia
Do homem
Que não é contido
A violência
Sempre covarde
Do abusador
E o trauma
Sempre sufocante
Da vítima
Homens animais
E mulheres objeto
Bonecas de porcelana
Pra adulto brincar
E destruir
Até quando?

(Poema baseado em estupro de menina de 10 anos pelo tio de 33 no ES)


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Aparências

Queria perguntar, mas fiquei quieta
Pra não parecer enxerida
Queria demonstrar, mas fiquei quieta
Pra não parecer atirada
Queria gritar, mas fiquei quieta
Pra não parecer agressiva
Queria xingar, mas fiquei quieta
Pra não parecer desbocada
Queria desabafar, mas fiquei quieta
Pra não parecer louca
Pra não parecer
Pra não aparecer
Pra não parecer eu

domingo, 26 de julho de 2020

A Mulher de Sagitário

A sagitariana é um ser curioso. Tem resposta pra qualquer pergunta e, se não sabe, aponta o caminho ou a maneira de encontrá-lo. É o signo da busca. Quanto mais chão ela tiver, mais rápido anda e, se você lhe tira o chão, ela voa. É capaz de se integrar a qualquer ambiente, desde uma festa com mil convidados a um retiro zen. Ela nunca está parada, principalmente quando fica quieta. Existe um enorme barulho no silêncio sagitariano. Está sempre envolvida em alguma atividade e parece que não cansa, mas, na verdade, fica exausta e, mesmo assim, não quer parar. É aquele viciado que afirma ter todo o controle sobre o seu vício porque pode parar quando quiser. E, se alguém a desafia: “Então pare”, ela apenas sorri. É quando ela quiser. E isso pode ser daqui a dois minutos, dois dias ou duas décadas. Você nunca sabe. Mas, na dúvida, pergunte. Ela adora conversar! Sempre tem uma aventura pra contar, algo que leu em um livro, revista, jornal, viu em um filme, aprendeu em viagens ou pescou do que você disse e nem se lembrava mais. Ela extrai a verdade de dentro de você. É aquele tipo de pessoa com quem você pega intimidade fácil e começa a falar da sua vida toda, sem nem entender o porquê. Pode confiar porque ela vai sempre te ajudar. Mesmo aqueles coices súbitos que ela dá, não são por mal, é pra você aprender. É capaz de dizer as verdades mais duras na sua cara sem hesitação, mas vai te abraçar e acolher as suas dores no minuto seguinte se você começar a chorar. A sagitariana é firme depois que toma uma decisão, mas é capaz de voltar atrás na mesma hora se você a convencer de que cometeu alguma injustiça. Ela sempre toma o partido dos mais desprotegidos e dos amigos. Nunca diz tudo o que tem pra dizer porque está sempre fazendo novas descobertas.

Quando entra num ambiente, olha em volta, reparando em todos os detalhes até que, de repente, foca o olhar, se aproxima de algo ou de alguém e é capaz de ficar horas ali, altamente entretida. Aprende brincando, sofre sorrindo, dança, canta, grita e medita. Está sempre fascinada com tudo ou profundamente entediada. A sagitariana nunca vê o copo meio cheio ou meio vazio, pra ela está tudo transbordando ou sequer vê o copo. Como enxerga longe e percebe o que ninguém mais vê, tem uma enorme dificuldade em notar que às vezes a resposta que tanto busca está bem ali. É capaz de revirar a casa toda procurando pelos óculos que estão na sua cara. E, se alguém a vê fazendo isso e lhe diz, ela ri e vai fazer qualquer outra coisa, como se nada tivesse acontecido. É um ser irritantemente feliz! Mas não pense que pode fazê-la de boba! Se a sagitariana parece estar comendo na palma da sua mão, é apenas pelo prazer da experiência. Ela tem total consciência de seus vícios e sabe que se isso a destruir é porque ela permitiu.

Não tente jamais dominá-la. Uma sagitariana engaiolada é um pássaro que não canta. Não é um signo de raízes, e sim de asas. No máximo, constrói um ninho, pra onde pode voltar em segurança depois de suas explorações pelo mundo. O coração sagitariano é uma porta aberta: fica quem quer, sai quem tem vontade. Dificilmente ela expulsa alguém ou obriga alguém a entrar. Ela ama com sinceridade e entrega, reinventa a relação na realidade ou na sua imaginação. Não consulta ninguém pra agir ou consulta todo mundo e acaba fazendo o que dá na telha. E, quando você acha que finalmente entendeu tudo sobre sua lógica, ela vai lá e muda a ordem das coisas. Não brigue com ela, apenas chame a sua atenção e diga que ela pode aprender muito mais se desenvolver o dom da paciência. Não imponha, mas proponha. Não diga “Não faça isso!” e sim “Por que você não faz assim?”. Ela detesta ordens, mas adora perguntas! Nunca diga pra ela ser menos. Peça pra ser mais cautelosa, mais gentil e relaxar mais que ela vai entender, em algum momento. E tome cuidado ao se deixar levar demais por suas ideias loucas! Ela é capaz de conduzir um grupo à beira do abismo e, ao ser contestada, abrir aquele sorriso cínico e responder, com a cara mais deslavada do mundo: “Acho que eu me enganei. Mas também, ninguém mandou me seguir...”. É aquele aluno que senta no fundão e faz piada com os coleguinhas a aula inteira, mas, quando confrontado pelo professor, repete exatamente tudo o que ele acabou de dizer. A bicha já nasce afrontosa, sem papas na língua nem um pingo de vergonha na cara. Quando bebê, em vez de chorar deve ter rido na cara do médico.

Jamais se humilhe para conquistar uma sagitariana, ela vai te olhar com um profundo desprezo. Nem tente humilhá-la ou receberá o mesmo olhar condenatório. Você não consegue chantageá-la porque ela não tem nada a esconder. Você não consegue ameaçá-la porque ela não tem medo de nada. Você não consegue adivinhar o que ela quer ou pensa porque ela sabe se virar sozinha ou pedir ajuda, quando precisa. Uma sagitariana nunca é morna: é extremamente calorosa ou desiste e te manda pro Polo Norte sem passagem de volta. Uma sagitariana sempre vai te dar exatamente o que você quer: mas você sabe o que quer? Ela sabe. Só se perde quando deixa de acreditar em si ou quando acredita demais em suas verdades absolutas, tornando-se chata, pretensiosa e arrogante. Mas, se munida de autoconhecimento suficiente, transita perfeitamente em seus labirintos mentais e emocionais e torna qualquer ambiente leve com seu humor ácido e provocativo e sua estranha mania de ver beleza e bondade em tudo. Quando todos estão chorando por causa das bombas da guerra, ela sorri porque ouve o canto dos pássaros e sabe que tudo vai melhorar, afinal amanhã é outro dia.

Uma sagitariana sábia consegue tudo o que busca porque entende que o mais importante é a própria jornada. Ela pode estar sozinha, com apenas um bom amigo ou uma multidão perto de si, que ficará satisfeita. Pode ser uma líder ou aceitar ser liderada por alguém em quem confie. Pode ser quem quiser, artista, cientista, guia espiritual, mochileira, astróloga, professora, filósofa, etc. Porque ela acredita em sua potência. E, se for generosa, ajuda quem mais quiser a encontrar o seu próprio caminho. Você pode acompanhá-la de perto ou de longe, mas deixe-a ir em seu próprio ritmo porque ela sabe o compasso certo pra ela e aprende a fazer pausas quando precisa. Só ela consegue se organizar dentro de sua rotina caótica, rir de si mesma e do mundo e descobrir as infinitas possibilidades que sua liberdade lhe proporciona. Não se magoe se ela partir sem sentir a sua falta, ela carrega todos que encontra pelo caminho em suas memórias e em seu coração e raramente nega suas origens. Sabe que a vida é um eterno convite e aceita todos os presentes que recebe de bom grado porque vive no momento do agora, ofertando em abundância tudo o que colhe. E ela nunca se esvazia, é uma fonte inesgotável de alegria e paixão pela vida. É preciso muita coragem para amar uma sagitariana.

sábado, 18 de julho de 2020

Autoperdão

Me perdoo por meus deliciosos defeitos, por meus delicados trejeitos, por meus confusos contextos, por meus parafusos soltos. Me perdoo por minha eventual tristeza, por não perceber minha real beleza, por ignorar minha magistral natureza, por achar que é minha a total certeza. Me perdoo por meu medo de achar que ainda é cedo e não pular do rochedo sem saber o fim do enredo. Me perdoo pelas promessas que não cumpri, pelos prazeres que fingi e pelos que não me permiti. Me perdoo por todos os erros que não cometi. Me perdoo pelas vezes que caí e me despedacei, pelos sonhos que pari e não criei, por tudo e todos que abandonei, pelos “bons modos” que, sob pressão, adotei. Agora que sei disso, hoje o meu compromisso é comigo, o meu coração é abrigo. Aprendi a dizer não e fiz as pazes com a solidão.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Resgate

Você não é a donzela em perigo
Nem a princesa na torre
Mate o príncipe
E liberte o dragão

terça-feira, 30 de junho de 2020

Ferida Aberta

A ferida aberta sangra e solta pus
A ferida aberta é o poema que compus
A ferida aberta que em mim reluz
É também a grande força que me conduz

Sou mais potente do que jamais supus
Quanto mais entregue mais a vida me seduz
À minha alegria faço jus
E a tristeza não é mais a minha cruz

Toda emoção acolho
Toda satisfação escolho
Todo dia melhoro
Todo julgamento ignoro 


Digo a todo aquele que levantar o nariz
Hoje mais uma vez eu decidi ser feliz

terça-feira, 16 de junho de 2020

Rap do Mapa Astral

Olha só que legal
Eu fiz meu mapa astral
Só pra comprovar
Que sou sensacional
Então vou te mostrar
A coisa como tal
Que só o signo solar
Já é muito banal
Vem cá, vem ver a lua
A minha é em Touro
Me diz, qual é a sua?
Cadê o seu tesouro?
Meus afetos valem ouro
Gosto de segurança
Quer a minha confiança?
Faça por merecer
Você tem que crescer
Pra poder aparecer
Minha comunicação
É um pouco sem noção
Síndrome de palhação
Mas mando logo o sincerão
Mercúrio em Sagitário
Saturno em Aquário
Meu senso de dever
Não há o que temer 
O que isso quer dizer?
Sei lá, vai saber
Ninguém entende aquariano
E onde tá Urano?
Tá junto com Netuno
Tem terra nesse céu
Capricórnio well well well
Alguém tem que trabalhar
Pra coisa funcionar
E pra continuar o jogo
Meu Marte tá no fogo
Sagitário, esse bobo
De novo, de novo
Travo minhas batalhas
Na base da zoeira
Não sou santa nem freira
Mas fujo de canalhas
No meio do céu tem Gêmeos
Sei disso há milênios
Só paro pra recolher os prêmios
Gosto de conhecimento
Aprendo a todo momento
Persigo o meu intento
Vale nota? Eu tô dentro!
E Plutão em Escorpião?
Ninguém liga pra ele não
Dizem que é motivação
Ou excesso de tesão
Eu disse isso? Não!
Você que tá loucão
No meio dessa confusão
Um pouco mais de razão
Meu Júpiter em Virgem
Me faz muito prudente
Me deu até vertigem
De ser tão coerente
Não estranhe a modéstia
O ascendente é Leão
Valente e esperta
Não te deixo na mão
Mas às vezes sou o cão
Vênus em Escorpião
Profunda e intensa
Se a coisa fica tensa
Posso agir como um cavalo
Ou uma fina flor
Só não pisa no meu calo
Que eu guardo rancor
No amor, eu dou trabalho
Da vida, eu gargalho
Só bebo no gargalo
Isso eu mesma falo
Não tardo e nunca falho
Fica ligado, otário
Que o meu Sol é Sagitário

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Valentine

Be your own Valentine
Be someone else's rhyme
Just don't forget to shine
This is fine
Just don't forget to smile
This meanwhile

terça-feira, 9 de junho de 2020

Abelha

Uma abelha entrou pela janela 

Até tentei não ligar pra ela

Mas logo estava em cima de mim

Sacudi as mãos e ficamos assim

As duas desnorteadas

Igualmente estabanadas

Ela zunindo, eu calada

Aquilo não resolvia nada

Então parei por um segundo

Observei seu voo sem rumo

E esperei que encontrasse o prumo

Ela pousou na minha mão

Num gesto de gratidão

Sem perceber, eu sorri

E a deixei zanzar por aí

Saiu quando quis, sem avisar

Mas às vezes vem me visitar

Ficamos amigas, quem diria

É essa estranha companhia

Que me ensina todo dia

A importância de respeitar toda criatura

Sem frescura

E, se possível, alguma doçura

terça-feira, 2 de junho de 2020

Sobre Gaiolas e Voos

O amor não pode ser gaiola. Não sobrevive em cativeiro. Sua natureza é ser livre e voar. Aprisionado, definha e morre. E não importa o quão tentador seja criar ou aceitar essa gaiola. O espaço pode ser arejado, bem decorado, colorido, confortável. A gaiola pode ser de ouro. A porta pode até estar aberta. Continua sendo gaiola. A melhor das intenções muitas vezes não basta e esconde pequenas perversidades tão perigosas que sequer nos julgávamos capazes de cometer.

Quantas vezes não tentamos aprisionar o amor? Por medo, insegurança, egoísmo, sentimentos tão mesquinhos que nos dão a falsa sensação de controle e nos impedem de nos entregar plenamente às relações? Quantas vezes não matamos o amor antes mesmo de ele germinar? Sufocamos o outro com nossas expectativas e projeções, repetimos padrões de comportamentos nocivos sem perceber, sofremos e nos culpamos sem necessidade. Nos fechamos na nossa gaiola imaginária, pra onde queremos trazer o outro também. Ou ainda circulamos pela gaiola do outro. Mas dá no mesmo.

É preciso abolir as gaiolas. Encarar a luz, o ar puro, a natureza selvagem e indomável do nosso coração. Não é fácil. É um processo doloroso e demorado, com altos e baixos, perdas e ganhos, erros e acertos, mas, sobretudo, muito aprendizado. Abraçamos a nossa humanidade, acolhemos as nossas dores e abrimos espaço para, finalmente, dar e receber não o amor que idealizamos, mas todo amor possível.

terça-feira, 26 de maio de 2020

Julieta

Fique atenta, Julieta! Não espere mais o seu Romeu. Quem sabe ele já morreu... Ou então nunca viveu – pra você. Seu amor próprio, cadê? Esse negócio, bebê, de ficar sonhando com tudo que se vê na tevê vai acabar te frustrando. O mundo desmoronando e você aí pensando no grande amor. Olha, me faça o favor! Saia da bolha e olhe ao redor. Você vai ver que há muito amor em estar só. Vai perceber que ele se espalha feito pó. Pra que guardar seu coração pra uma paixão quando a maior emoção é ser todo amor que se deseja? Que assim seja.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Sobre cacos e sapos

Desperto do sonho e tenho que lidar com os cacos de uma realidade fragmentada, cada vez mais afastada da minha fantasia. Mas também, que mania! Vivo isso todo dia, essa mesma euforia, essa falsa alegria, que não passa de letargia, uma forte alergia ao real. Porque o mundo lá fora nos engole e cospe fora, tão depressa, sem demora, nos ilude e vai embora, como um amante infiel. E eu me pergunto, nisso tudo, qual é o meu papel? Ver o mel e comer fel, buscar o amor num bordel, trocar panfleto por cordel, curar a ferida com gel? Penso que estou no céu, caio e me arrebento. Eu até tento, mas nunca acerto o momento. Então fica aqui o meu lamento. Sou anjo caído, mal compreendido, tantas vezes ferido – tantas vezes feriu. Nesse mundo hostil, quem ainda não viu a diferença sutil entre o que fica e o que (se) partiu? Junto meus cacos, engulo meus sapos, ergo a cabeça, sou forte à beça e sei, eu sei bem, que amanhã, meu bem, tudo recomeça.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Nas reticências do silêncio

Eu gostaria de dizer tanta coisa, de fazer tanta coisa e me limito às reticências do silêncio. Ao mesmo tempo, não deixo que esse silêncio fale – silencio o silêncio e fico no vazio da existência, aquele limbo entre um pensamento e outro, um momento e o seguinte. Porque é aí, nesses intervalos, que a vida se manifesta. Mas não sei ser, não sei me permitir não saber, não nomear, não definir, não sei estar ali simplesmente, sem razão nem porquê. Não importa. Nada importa. Ninguém sobrevive de significados ocultos, senão de emoções autênticas. Parar. Sentir. Respirar. Ser. Estar. Existir. Presenciar: transformar tudo em presente. Um instante, um agrado, um desejo. Amor, em seu estado mais puro, livre de amarras e expectativas. Paz: compreensão sem palavras. Aceitação sem questionamento. Felicidade como começo e fim.