A verdade
É que ainda te tenho apreço
Mas a saudade
É um pequeno preço
Pela minha liberdade
A verdade
É que ainda te tenho apreço
Mas a saudade
É um pequeno preço
Pela minha liberdade
Há tempos, penso em voltar pra vida
acadêmica e finalmente fazer o Doutorado, porque a minha pausa depois do
Mestrado acabou se tornando abissal (palavra bonita essa, né, devia usar mais).
Teria que abrir mão de algumas coisas, outras atividades que arranjei e grande
parte do meu tempo livre, talvez trabalhar menos, tudo isso pra dar conta de
uma rotina de estudos mais pesada, já que perdi o hábito. Porém, como alguns
amigos me dizem, é provável que eu não demore tanto pra pegar o ritmo de novo.
É como andar de bicicleta. Exceto que, bem, não sei andar de bicicleta. Mas,
gente, quem não sabe andar de bicicleta? Oi, prazer. Depois descobri várias
outras pessoas que, assim como eu, não tinham espaço pra praticar ou acabaram
ficando com preguiça de tirar as rodinhas. O tempo passou e nunca aprendemos.
Acontece. A partir disso, comecei a pensar em todas as coisas banais que não
sei fazer.
Não sei dirigir. Nunca quis tirar a
carteira: é caro, demorado, polui. Meu pai dirige e nunca se importou de me dar
carona pros lugares. Fora essa facilidade, sempre peguei ônibus, metrô e Uber.
Pra que ter carro? Também não sei cozinhar – nível: não sei nem fritar um ovo e
já consegui queimar pipoca de micro-ondas (é verdade esse bilete). E até quero
aprender, mas vivo adiando. Deus abençoe o delivery!
E a comida congelada. Eu não sei abrir potes de vidro. Na verdade, nem precisa
ser de vidro. Sou péssima pra abrir embalagens com tampa. Já tive dificuldades
até com enxaguante bucal. Até com garrafa de água. Juro. “Não é força, é
jeito!”. No seu c...
Não sei tocar um instrumento.
Tocava flauta doce na escola, mas não progredi. Tenho vontade de aprender, mas
poderia ficar sobrecarregada de atividades. Não sei ser falsa. Até sei ser
cínica, mas falsa não consigo. Nem sei mentir bem. Não sei viver sem paixão.
Sem arte. Sem literatura. Tá vendo? É a partir da consciência das nossas
limitações que chegamos ao essencial. E você, o que não sabe fazer? Faça a
lista até chegar àquilo que não pode faltar.
Quando eu era criança, tinha uma grande amiga com
quem adorava brincar. Ela parecia gostar de mim e nos divertíamos juntas, porém
constantemente acontecia algo muito chato: quando chegavam outras crianças, ela
me deixava de lado pra brincar com elas. E isso me magoava muito. Esse
sentimento se repetiu com outras amizades e amores: a sensação de estar sempre
fornecendo mais, muito mais do que recebia. A ponto de me perguntar: por que as
pessoas fazem isso? Por que nos abandonam e nos esquecem, quando temos tanto a
oferecer? Não parece justo, certo? Mas a melhor pergunta a se fazer não é por
que os outros agem desse jeito, e sim: por que nós aceitamos? Hoje acho que
consigo também responder: por medo. Tememos perder a pessoa, como se fôssemos
perder uma parte de nós, como se o afeto que nutrimos só fizesse sentido a
partir da existência do amigo, namorado, etc. E vou além: eles também vão
embora e fingem nos esquecer por medo. Medo de perder a própria identidade na
fusão com o outro. Então, se não tomarmos cuidado, todas as nossas relações
serão pautadas no medo. Se domina o medo, não há entrega. E, sem entrega, o
amor não se manifesta.
Eu sei, é muito difícil saber a medida certa entre
o amor próprio e o amor ao próximo. Às vezes parece que cedemos demais, outras
vezes não queremos abrir mão de nada. O certo é que quanto mais nos cuidamos e
nos conhecemos, mais conseguimos cuidar e conhecer quem nos cerca, identificar
os laços valiosos e nutrir afetos saudáveis. Não tem receita de bolo, é o
trabalho de toda uma vida mesmo. Essa prática requer auto-observação, paciência
e abertura a novos aprendizados. Ninguém nasce pronto. E nem morre pronto, eu
ousaria dizer. Estamos sempre no caminho. Sempre. Aproveite a jornada.
Essa
semana, ouvi duas frases sobre dor e sofrimento que me fizeram refletir. E não
foi em contexto de terapia nem em página motivacional, foi no dia a dia mesmo,
na mais completa banalidade da vida cotidiana, de onde extraímos preciosas
pérolas, se prestarmos atenção.
Pois
bem, a primeira foi na podóloga. Ela estava desencravando uma unha inflamada –
dói, né, você deve saber. E eu não dava um pio! Ficava ali, impassível,
apertando a borda do encosto e fazendo só um pouco de careta. Levei bronca. “Tá
doendo?”. “Tá”. “E você não fala nada? Vai sofrer calada?”. Menina, esse corte
foi mais profundo que o que ela fez na carninha do dedão! Ela explicou,
inclusive, que precisava que eu sinalizasse quando doesse pra saber onde a unha
estava espetando e poder tirar. Faz sentido, não é? A gente precisa saber onde
dói pra eliminar o fator que incomoda. Mas quantas vezes não sofremos caladas,
deixando doer mais e mais, sem resolver o problema? É, rapaz, durma com essa
agora!
E
ainda tem outra: dias depois, na aula de dança, eu estava tentando aprender a
girar o bastão – movimento novo normalmente é motivo de sofrência. Quase
consegui fazer, mas doeu a mão. Como já tinha aprendido com a podóloga, dessa
vez me manifestei: “Ai, isso dói!”. A professora concordou: “Dói, é assim
mesmo! Vai ficar fugindo da dor?”. Outra paulada. Que semana sofrida! Porém, de
grandes ensinamentos.
Em resumo: não devemos esconder a
dor, mas também não pode fugir dela. Às vezes vai doer mesmo e isso também nos
faz crescer. Ninguém vive numa redoma, protegido dos perigos do mundo. Isso não
quer dizer que devemos aceitar em silêncio todo sofrimento, como mártires.
Sinalize os seus limites, elimine o que incomoda e aprenda o que puder com
isso. De nada por essa filosofia de botequim. Depois me conta como você
responderia a essas perguntas: “Vai sofrer calada/o?” e “Vai ficar fugindo da
dor?”. E aí? Já pensou?