domingo, 31 de janeiro de 2021

(A)preço

 

A verdade

É que ainda te tenho apreço

Mas a saudade

É um pequeno preço

Pela minha liberdade

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Sobre as nossas limitações

 

Há tempos, penso em voltar pra vida acadêmica e finalmente fazer o Doutorado, porque a minha pausa depois do Mestrado acabou se tornando abissal (palavra bonita essa, né, devia usar mais). Teria que abrir mão de algumas coisas, outras atividades que arranjei e grande parte do meu tempo livre, talvez trabalhar menos, tudo isso pra dar conta de uma rotina de estudos mais pesada, já que perdi o hábito. Porém, como alguns amigos me dizem, é provável que eu não demore tanto pra pegar o ritmo de novo. É como andar de bicicleta. Exceto que, bem, não sei andar de bicicleta. Mas, gente, quem não sabe andar de bicicleta? Oi, prazer. Depois descobri várias outras pessoas que, assim como eu, não tinham espaço pra praticar ou acabaram ficando com preguiça de tirar as rodinhas. O tempo passou e nunca aprendemos. Acontece. A partir disso, comecei a pensar em todas as coisas banais que não sei fazer.

Não sei dirigir. Nunca quis tirar a carteira: é caro, demorado, polui. Meu pai dirige e nunca se importou de me dar carona pros lugares. Fora essa facilidade, sempre peguei ônibus, metrô e Uber. Pra que ter carro? Também não sei cozinhar – nível: não sei nem fritar um ovo e já consegui queimar pipoca de micro-ondas (é verdade esse bilete). E até quero aprender, mas vivo adiando. Deus abençoe o delivery! E a comida congelada. Eu não sei abrir potes de vidro. Na verdade, nem precisa ser de vidro. Sou péssima pra abrir embalagens com tampa. Já tive dificuldades até com enxaguante bucal. Até com garrafa de água. Juro. “Não é força, é jeito!”. No seu c...

Não sei tocar um instrumento. Tocava flauta doce na escola, mas não progredi. Tenho vontade de aprender, mas poderia ficar sobrecarregada de atividades. Não sei ser falsa. Até sei ser cínica, mas falsa não consigo. Nem sei mentir bem. Não sei viver sem paixão. Sem arte. Sem literatura. Tá vendo? É a partir da consciência das nossas limitações que chegamos ao essencial. E você, o que não sabe fazer? Faça a lista até chegar àquilo que não pode faltar.

Desvio


Tenha prudência
Eles disseram
E será recompensada
Tenha decência
Eles disseram
E será muito mais amada

Chutei o balde
Fiz alarde
Mandei todos
Tomarem
No cu
Faz bem pra pele
Dizem

Hoje
Sou imprudente
Indecente
Escandalosamente
Feliz

Sobre o medo de amar

 

Quando eu era criança, tinha uma grande amiga com quem adorava brincar. Ela parecia gostar de mim e nos divertíamos juntas, porém constantemente acontecia algo muito chato: quando chegavam outras crianças, ela me deixava de lado pra brincar com elas. E isso me magoava muito. Esse sentimento se repetiu com outras amizades e amores: a sensação de estar sempre fornecendo mais, muito mais do que recebia. A ponto de me perguntar: por que as pessoas fazem isso? Por que nos abandonam e nos esquecem, quando temos tanto a oferecer? Não parece justo, certo? Mas a melhor pergunta a se fazer não é por que os outros agem desse jeito, e sim: por que nós aceitamos? Hoje acho que consigo também responder: por medo. Tememos perder a pessoa, como se fôssemos perder uma parte de nós, como se o afeto que nutrimos só fizesse sentido a partir da existência do amigo, namorado, etc. E vou além: eles também vão embora e fingem nos esquecer por medo. Medo de perder a própria identidade na fusão com o outro. Então, se não tomarmos cuidado, todas as nossas relações serão pautadas no medo. Se domina o medo, não há entrega. E, sem entrega, o amor não se manifesta.

Eu sei, é muito difícil saber a medida certa entre o amor próprio e o amor ao próximo. Às vezes parece que cedemos demais, outras vezes não queremos abrir mão de nada. O certo é que quanto mais nos cuidamos e nos conhecemos, mais conseguimos cuidar e conhecer quem nos cerca, identificar os laços valiosos e nutrir afetos saudáveis. Não tem receita de bolo, é o trabalho de toda uma vida mesmo. Essa prática requer auto-observação, paciência e abertura a novos aprendizados. Ninguém nasce pronto. E nem morre pronto, eu ousaria dizer. Estamos sempre no caminho. Sempre. Aproveite a jornada.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Sofrer calada e fugir da dor

 

            Essa semana, ouvi duas frases sobre dor e sofrimento que me fizeram refletir. E não foi em contexto de terapia nem em página motivacional, foi no dia a dia mesmo, na mais completa banalidade da vida cotidiana, de onde extraímos preciosas pérolas, se prestarmos atenção.

            Pois bem, a primeira foi na podóloga. Ela estava desencravando uma unha inflamada – dói, né, você deve saber. E eu não dava um pio! Ficava ali, impassível, apertando a borda do encosto e fazendo só um pouco de careta. Levei bronca. “Tá doendo?”. “Tá”. “E você não fala nada? Vai sofrer calada?”. Menina, esse corte foi mais profundo que o que ela fez na carninha do dedão! Ela explicou, inclusive, que precisava que eu sinalizasse quando doesse pra saber onde a unha estava espetando e poder tirar. Faz sentido, não é? A gente precisa saber onde dói pra eliminar o fator que incomoda. Mas quantas vezes não sofremos caladas, deixando doer mais e mais, sem resolver o problema? É, rapaz, durma com essa agora!

            E ainda tem outra: dias depois, na aula de dança, eu estava tentando aprender a girar o bastão – movimento novo normalmente é motivo de sofrência. Quase consegui fazer, mas doeu a mão. Como já tinha aprendido com a podóloga, dessa vez me manifestei: “Ai, isso dói!”. A professora concordou: “Dói, é assim mesmo! Vai ficar fugindo da dor?”. Outra paulada. Que semana sofrida! Porém, de grandes ensinamentos.

Em resumo: não devemos esconder a dor, mas também não pode fugir dela. Às vezes vai doer mesmo e isso também nos faz crescer. Ninguém vive numa redoma, protegido dos perigos do mundo. Isso não quer dizer que devemos aceitar em silêncio todo sofrimento, como mártires. Sinalize os seus limites, elimine o que incomoda e aprenda o que puder com isso. De nada por essa filosofia de botequim. Depois me conta como você responderia a essas perguntas: “Vai sofrer calada/o?” e “Vai ficar fugindo da dor?”. E aí? Já pensou?