Essa quarentena tem
servido pra muita coisa, inclusive pra aprofundar minha relação com os insetos,
que, convenhamos, nunca foi muito boa. Tive progressos. Já fiquei amiga das
abelhas, interpretei como sinal de sorte uma cigarrinha verde ter pousado no meu
dedo... Mas confesso que agora o Universo me testou pra valer! Acho que cheguei
na fase do chefão: mandaram uma mosca. Nossa, mas tem coisa pior, você poderia
pensar. Barata, por exemplo, é muito mais nojento. Sim, porém, os veganos que
me perdoem pela heresia, barata é mais fácil de matar. Ela fica parada ali no
cantinho, é questão de oportunidade dar uma chinelada precisa ou afogar a bicha
em inseticida. Agora mosca...
Tinha tudo pra ser uma
noite tranquila. Estava fazendo meus rituais antes de deitar: um pouquinho de
yoga e meditação pra relaxar. Foi aí que começou. Zum, zum, zum... Tentei
utilizar o procedimento padrão pra lidar com os problemas. Etapa um: ignorar
pra ver se passa. Respirei fundo e tentei me concentrar no mantra. A mosca me
rondava, provocativa, voava rente ao meu ouvido, roçava minha pele e me dava
comichões.
Com muito sacrifício,
consegui concluir a meditação e fui deitar. A mosca não desistiu: eu continuava
ouvindo seu zumbido perto de mim e de vez em quando sentia suas patinhas nojentas
em alguma parte do meu corpo, mesmo coberta. Deus, eu só queria dormir! A
janela estava aberta, por que ela não ia embora? Pensei em pegar o inseticida,
mas não gosto de usá-lo porque o cheiro é horrível e tóxico. Fora a preguiça de
levantar. De qualquer forma, também não conseguia pegar no sono. Suspirei,
desolada. Fui pegar o inseticida. Eu ia dormir respirando toxina, mas aquele
bicho precisava morrer!
Depois que ela ficou
tonta e caiu, catei seu corpinho com um pedaço de papel higiênico. Esmaguei,
sem dó, e vi o sangue manchar o papel. Ah, esse poder sobre a vida é tão
tentador: a usar com moderação. Devolvi a mosca pro seu devido lugar: o lixo. Borrifei
odorizante no quarto pra disfarçar o cheiro ruim. Deitei e dormi na mais
profunda paz. Amanhã, quem sabe, não volta a temporada das abelhas? Mas, se as
moscas retornarem, já estou preparada. Vem, chuva de gafanhotos! Vem, meteoro! Acho
que quem sobreviver a 2020 não morre mais: vamos garantir resiliência
suficiente pra eternidade.