sábado, 7 de agosto de 2021

A Senhora das Moscas (Prêmio Off Flip Crônica)

 Essa quarentena tem servido pra muita coisa, inclusive pra aprofundar minha relação com os insetos, que, convenhamos, nunca foi muito boa. Tive progressos. Já fiquei amiga das abelhas, interpretei como sinal de sorte uma cigarrinha verde ter pousado no meu dedo... Mas confesso que agora o Universo me testou pra valer! Acho que cheguei na fase do chefão: mandaram uma mosca. Nossa, mas tem coisa pior, você poderia pensar. Barata, por exemplo, é muito mais nojento. Sim, porém, os veganos que me perdoem pela heresia, barata é mais fácil de matar. Ela fica parada ali no cantinho, é questão de oportunidade dar uma chinelada precisa ou afogar a bicha em inseticida. Agora mosca...

Tinha tudo pra ser uma noite tranquila. Estava fazendo meus rituais antes de deitar: um pouquinho de yoga e meditação pra relaxar. Foi aí que começou. Zum, zum, zum... Tentei utilizar o procedimento padrão pra lidar com os problemas. Etapa um: ignorar pra ver se passa. Respirei fundo e tentei me concentrar no mantra. A mosca me rondava, provocativa, voava rente ao meu ouvido, roçava minha pele e me dava comichões.

Com muito sacrifício, consegui concluir a meditação e fui deitar. A mosca não desistiu: eu continuava ouvindo seu zumbido perto de mim e de vez em quando sentia suas patinhas nojentas em alguma parte do meu corpo, mesmo coberta. Deus, eu só queria dormir! A janela estava aberta, por que ela não ia embora? Pensei em pegar o inseticida, mas não gosto de usá-lo porque o cheiro é horrível e tóxico. Fora a preguiça de levantar. De qualquer forma, também não conseguia pegar no sono. Suspirei, desolada. Fui pegar o inseticida. Eu ia dormir respirando toxina, mas aquele bicho precisava morrer!

Depois que ela ficou tonta e caiu, catei seu corpinho com um pedaço de papel higiênico. Esmaguei, sem dó, e vi o sangue manchar o papel. Ah, esse poder sobre a vida é tão tentador: a usar com moderação. Devolvi a mosca pro seu devido lugar: o lixo. Borrifei odorizante no quarto pra disfarçar o cheiro ruim. Deitei e dormi na mais profunda paz. Amanhã, quem sabe, não volta a temporada das abelhas? Mas, se as moscas retornarem, já estou preparada. Vem, chuva de gafanhotos! Vem, meteoro! Acho que quem sobreviver a 2020 não morre mais: vamos garantir resiliência suficiente pra eternidade.

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