quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Sem Frescura

Larga do meu pé
Que eu tenho chulé
Não sou donzela
Tô cheia de remela
Esqueci de depilar
O cabelo tá sem lavar
A unha mal feita
Cansei de tentar ser perfeita

Mas se você quiser vir
Pode vir
Tem vinho na geladeira
Conversa, muita zoeira
A gente pede uma pizza
Vai ser uma delícia

Com você não tem hora
Não se apresse em ir embora
Fica pela companhia
Troca a noite pelo dia
A gente sai pra olhar a lua
Se me animar eu fico nua
E sorrio encabulada
Com aquela sua olhada
Meio encantada
Meio safada 

Gosto quando não diz nada
Vem e não me exige nada
Faço até piada
Com seu jeito meio sério
Meio etéreo
Esse ar de mistério
Mistério sem mentira

Então vem pela aventura
Quem sabe a noite não dura
E a gente fica por aqui mesmo
Nem que seja pra comer torresmo

Vem se pré-requisito
Que a gente é bicho esquisito
Mas se entende
E até se surpreende
Com o rir da vida
O descansar da lida
A leveza
E a beleza
Da nossa própria natureza

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Sorte em miniatura

Agora há pouco pousou um bichinho minúsculo no meu dedo. Olhei pra ele com espanto e curiosidade. Era verde, tinha dois pontinhos pretos como olhos e parecia um grilo em miniatura ou coisa do tipo. Fui pesquisar, descobri que o chamam de "cigarrinha verde". Fiquei reparando, achei o bicho muito engraçado e até passei a simpatizar com ele, coração mole que tenho. Se é verde, deve ser sinal de sorte, não é mesmo? Tão pequeno e delicado que eu poderia não ter notado - como a própria sorte. Nem sempre tenho esse bom humor todo ao receber os insetinhos. Às vezes me irrito e os esmago sem hesitar, descontando nos pobrezinhos o estresse do dia - vai ver é essa a missão deles na Terra. Às vezes mato um sem querer e me encho de culpa - foi mal, Mãe Natureza, não precisa aumentar meu carma, por favor. Mas às vezes interajo com eles, criatura estranha que sou também. E fico pensando em miudezas, daquelas que dão um sentido especial a qualquer bobagem importante demais pra ser ignorada. Vai ver é o tédio da quarentena, certa carência repentina ou solidão patética - o próximo que aparecer vou apelidar de Wilson; é melhor que bola de vôlei, vai. Ou pode ser só eu sendo eu, tentando dar significado aos insignificantes. Vai ver essa é a minha missão na Terra. Ou só uma forma de passar o tempo. É mais legal pensar que a sorte em miniatura pousou no meu dedo agora do que dizer que uma cigarrinha verde entrou pela janela, atraída pela luz e pela mudança de tempo. Mudança de tempo. Taí outra boa metáfora! Sério, eu devia ir dormir. Mas ele voltou, o etzinho...

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Porcelana

10 anos
Nem tem corpo de mulher
33 anos
Nem tem cabeça de homem
Qual a idade
Do corpo florescer?
Qual a idade
Da mente adoecer?
O amadurecimento precoce
Da menina
Que não é poupada
A infância tardia
Do homem
Que não é contido
A violência
Sempre covarde
Do abusador
E o trauma
Sempre sufocante
Da vítima
Homens animais
E mulheres objeto
Bonecas de porcelana
Pra adulto brincar
E destruir
Até quando?

(Poema baseado em estupro de menina de 10 anos pelo tio de 33 no ES)