terça-feira, 19 de maio de 2020

Sobre cacos e sapos

Desperto do sonho e tenho que lidar com os cacos de uma realidade fragmentada, cada vez mais afastada da minha fantasia. Mas também, que mania! Vivo isso todo dia, essa mesma euforia, essa falsa alegria, que não passa de letargia, uma forte alergia ao real. Porque o mundo lá fora nos engole e cospe fora, tão depressa, sem demora, nos ilude e vai embora, como um amante infiel. E eu me pergunto, nisso tudo, qual é o meu papel? Ver o mel e comer fel, buscar o amor num bordel, trocar panfleto por cordel, curar a ferida com gel? Penso que estou no céu, caio e me arrebento. Eu até tento, mas nunca acerto o momento. Então fica aqui o meu lamento. Sou anjo caído, mal compreendido, tantas vezes ferido – tantas vezes feriu. Nesse mundo hostil, quem ainda não viu a diferença sutil entre o que fica e o que (se) partiu? Junto meus cacos, engulo meus sapos, ergo a cabeça, sou forte à beça e sei, eu sei bem, que amanhã, meu bem, tudo recomeça.

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