Se eu pular, você pula.
Lembro daquela noite de chuva em que nos conhecemos. Você cheirava a cachorro
molhado e eu toda encolhida embaixo da marquise. Até que apareceu um salvador
com um guarda-chuva, você veio me resgatar. Não costumo aceitar caronas de desconhecidos,
mas considerei as circunstâncias e confiei na sua cara de bom moço. Se eu
pular, você pula. A conversa no carro foi muito agradável e divertida. Trocamos
telefone e transamos dois dias depois. Tínhamos muito tesão um pelo outro,
principalmente no começo. Parecíamos dois coelhos no cio. Mas também gostávamos
de conversar e tomar um bom vinho, ver um filminho, qualquer bobagem que
pudéssemos fazer juntos. Se eu pular, você pula.
Sua família gostava de mim. Nos demos bem logo de cara.
Mas minha mãe implicava um pouco com você, eu não entendia o porquê. Devia ter
escutado. Se eu pular, você pula. Em pouco tempo, a coisa ficou séria e fomos
morar juntos. Éramos dois idiotas apaixonados e felizes, cheios de sonhos... Já
vi esse filme. Ele acaba mal. Se eu pular, você pula. A princípio, eu não
queria ter filhos. Na verdade, era um pouco indiferente à ideia. Achava que
ficaríamos bem só nós dois. Não morreríamos de tédio. Porém, a paixão nos leva
a tomar atitudes sem pensar. Engravidei. Você queria muito. Eu passei a querer
depois. Se eu pular, você pula.
Nossa filha foi o maior presente de nossas vidas. É
incrível gestar um ser humano e acompanhar seu crescimento! O que é bem menos
incrível é a sobrecarga que passei a ter. Se eu pular, você pula. Na sua
rotina, pouco mudou. Trabalho, sexta-feira com os amigos, futebol na TV e
alguns momentos de brincadeira com a menina já o tornavam o pai do ano. Todo o
resto do trabalho era meu. Comida, banho, dia a dia, fora a arrumação da casa...
“Coloca ela na creche”. “Contrata uma empregada”. Suas soluções eram sempre
muito simples e envolviam investimentos financeiros. Afinal, você era um homem
de negócios, não um homem de cuidados. Se eu pular, você pula.
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Leia a continuação do conto na 6ª edição da revista Contos de Samsara, cujo tema é morte.
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